segunda-feira, 8 de março de 2021

Fazer fretes

   

    Sabem quando somos crianças e temos de fazer coisas que detestamos e estar com pessoas que nada nos dizem em ambientes que não nos fazem sentir bem? Tipo aqueles encontros e convívios com os amigos dos nossos pais ou com familiares muito afastados, e estamos lá porque os nossos pais decidiram que tinha de ser e portanto lá tínhamos que fazer o frete.

    Aquelas horas que hoje em dia parecem minutos quando passamos com pessoas que adoramos, naquela altura, para nós, parecem dias a passar. As conversas de adultos não nos interessam minimamente, e muitas vezes recambiavam-nos para brincar com as outras crianças ou jovens, num convívio, no mínimo, forçado.

    Quem nunca??! Pelo menos, isto aconteceu muito comigo, na infância e adolescência. E pensava sempre que quando tivesse poder de decisão, não ia mais fazer fretes! Ia decidir como passar o meu tempo, que era precioso, e só estar com quem me apetecia. Só ia fazer o que me apetecesse!

Na realidade, ainda hoje tenho esse sonho bastante infantil: queria viver uma vida em que só fizesse aquilo que me apetecesse! Para mim, essa é uma visão realista da verdadeira felicidade.

Bom, quando chegamos a adultos, e achamos que "agora posso fazer tudo o que quero!", percebemos que era tudo mentira! Não temos os pais que nos obrigam, mas temos a sociedade. Temos as obrigações. Temos de fazer coisas porque tem de ser, não porque verdadeiramente queremos. Well, it's adult life, deal with it!

    Isso até é suportável, acabamos por aceitar que afinal ser criança é que era fixe e que agora, olha, todos os dias lá temos que fazer algo que não nos apetece  nada, por virtude do trabalho ou das obrigações do dia a dia. Mas fretes? Ah, fretes não!!! Fretes do tipo obrigar-nos a estar com alguém que não nos apetece só porque tem de ser? Uma coisa é em contexto de trabalho, em que, oh well, temos de conviver com as pessoas, quer gostemos delas, quer não. Mas não temos de ser amigas dessas pessoas. Agora, convívios sociais só porque sim?

    Bom, a verdade é que antes de chegar a esse ponto, há uma fase - para mim, foi de anos! - de transição, em que já não nos obrigam a estar com ninguém, mas de algum modo continuamos a forçar-nos a nós mesmos porque "parece bem". Não tem de ser, mas parece bem, ou pareceria mal se não participássemos dessa atividade social.

    E a verdade é que eu tive uma fase bem prolongada dessas, porque eu sou introvertida - sei ser extrovertida e sociável, mas o meu modo mais natural é introvert -, porque adoro passar tempo sozinha, comigo mesma, e desgasta-me completamente ter de lidar com muitas pessoas durante muito tempo ou com muita frequência. Não suporto, por isso, convívios forçados.

    Lembro-me perfeitamente bem de uma altura em que não gostava de sair à noite, mas forçava-me a sair, e sentia-me ofendida se me chamavam de anti-social. E saía, e bebia, e até me divertia, não digo que não, que tive momentos fantásticos! Mas não era o meu modo de vida, não era a minha maneira de ser, nem era o meu objetivo em que tinha de sair todos os fins-de-semana só porque era cool e trendy, e se não fosse, seria uma outsider. E custava-me a admitir isso, e custava-me ouvir quando os meus amigos me diziam que eu era uma seca só porque não queria ir sair à noite, outra vez naquele mês. Ou sexta e sábado seguidos. Sentia vergonha de admitir que não queria! Mas, felizmente, consegui libertar-me dessa vergonha.

    E é, também, muito disto que eu quero dizer quando falo em ser mais livre, em ser Livre Como Eu. É o ser livre dessas vergonhas, de ser algo e de viver de acordo com aquilo que somos, sem ter medo do que os outros vão pensar ou interiorizar que isso é uma forma errada ou "menos fixe" de ser. Não há formas erradas, há a nossa forma! And I've come a long way on this, porque há poucos anos atrás eu nunca admitira isto.

    Mas afinal, se quando somos crianças, desejamos ser adultos para podermos tomar a decisão de ocuparmos o nosso tempo como queremos, fazer o que não nos apetece, não fazer o que nos apetece e não fazer fretes... Se, nessas idades, achamos que isso é um luxo, porque raio chegamos à idade adulta e continuamos a viver sob este mote? A obrigar-nos constantemente a fazer coisas que não queremos, ir a sítios que não nos apetece, fazer coisas que não nos dizem nada, e estar com pessoas só porque é mais fixe ser extrovertido. Para nos exibirmos. Para publicarmos fotos no Instagram.

Porque fazemos isso a nós mesmos, quando temos o poder, a capacidade e a liberdade de escolha para dizer "não" a absolutamente tudo aquilo que não nos faz sentido? O que diria essa criança se nos visse a desperdiçar o tempo com isso?!

Hoje em dia, tenho muito mais confiança para dizer "não". "Não quero", "não vou", e uma frase que eu gosto de usar muito: "não é a minha cena".

E não é esta, também, uma forma de ser livre??!!! 😉😉😉

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