Acho que se fala pouco sobre dinheiro, e o que se
fala, fala-se mal. Existe esta crença generalizada de que alguém que goste de
dinheiro é uma pessoa gananciosa, quem tem dinheiro é uma pessoa má, que se o
ganhou com trabalho de certeza que fez algo de errado pelo caminho, ou se é
rico por herança isso de alguma forma tem menos valor. Que existe mais sorte
que mérito.
O dinheiro é uma ferramenta fantástica. Não, o dinheiro não traz a
felicidade em si, mas não me venham com tretas: ajuda, e muito.
Fica bonito dizer que "há coisas mais importantes que o
dinheiro", claro que há, mas talvez o dinheiro ajude a chegar a essas
coisas importantes. "Ah mas a saúde é mais importante que o
dinheiro"; claro que é! Mas desde quando uma coisa invalida a outra?! Ter
saúde implica não ter dinheiro, ou vice versa? De qualquer forma, entre estar
doente mas ter dinheiro para ter acesso aos melhores tratamentos de saúde ou
ter de, pelo contrário, ficar em lista de espera para uma cirurgia que seja
muito necessária ou contar os tostões para comprar medicação que seja precisa
tomar... Acho que a escolha é óbvia.
No fundo, o dinheiro é uma forma de vivermos a vida que queremos. De
poder viver a vida COMO queremos. Na saúde ou na doença!
A
frase "o dinheiro não traz felicidade" tem muito que se lhe diga. Eu
discordo bastante dessa frase. Pode não trazer diretamente, mas traz: qualidade
de vida, conforto e mais possibilidades de poder fazer o que nos faz feliz. Traz
mais liberdade de tempo, de escolhas. Então, o dinheiro não
compra a felicidade diretamente, mas compra as condições que nos podem fazer
felizes. Não compra as pessoas nem o amor delas... Mas também não acredito na
história do amor e uma cabana! Não acho que se possa ser feliz ao lado de uma
pessoa se constantemente se tem de viver com desafios financeiros! E uma pessoa
pode ter amizades bonitas e verdadeiras mas se estiver constantemente struggling com
condições financeiras, continua a não ser propriamente feliz.
Ao
longo dos últimos anos, tenho trabalhado bastante na minha mentalidade acerca
do dinheiro e hoje vejo que, aos poucos, percorri um grande caminho e que já
fiz algumas conquistas em relação à minha forma de pensar, ser e estar sobre o
tema.
Eu
tinha muitos bloqueios em relação a isto. Cresci e fui educada com
coisas do género: para ganhares algum dinheiro tens que te matar a trabalhar,
dia e noite; dinheiro ganho sem ser com sacrifício extremo é dinheiro do mal
como se estivesse envenenado ou não fosse de forma alguma merecido; poupar só
não chega, é necessário ser forreta ao máximo, mesmo que se passe necessidades
básicas; guarda o dinheiro debaixo do colchão (literalmente); tudo o que me
dessem ou fizessem por mim iria ser cobrado até ao fim dos meus dias. E sim,
ainda hoje o é. Ainda hoje eu sofro da eterna cobrança. Só que percebi que não
posso mudar isso - o facto de me cobrarem coisas ou condições que me deram sem
eu ter pedido, ou seja, ser cobrada por coisas que eu não escolhi, ainda que me
beneficiassem. Visto que não conseguia mudar isso, mudei então a minha
mentalidade em relação a isso.
E
portanto eu cresci a acreditar piamente que o facto de nunca me ter faltado
nada tinha alguma "culpa". Eu senti-me culpada por, apesar de estar
longeeeeee (muito longe) de ser rica, mas não tinha de trabalhar desde criança,
como eles, para ter comida na mesa. Era um privilégio. Por isso deveria
ajoelhar-me quase e nunca aspirar a mais do que o básico, e mesmo para ter o
básico deveria trabalhar dia e noite. Só assim é que tinha valor.
Esta foi a educação que os meus pais tiveram, das experiências que eles
viveram, eram as crenças deles e que naturalmente passaram para mim. Ainda bem
que algum dia consegui ter o discernimento de perceber que havia muitas coisas
erradas nessa lógica e que comecei a trilhar o meu caminho, diferente, nessas
questões.
Cresci então sempre com estes sentimentos de culpa e de
cobrança,essencialmente. Eu tinha dificuldade em aceitar ajuda de quem quer que
fosse. Achava que me iam cobrar aquele 1€ que eu tinha pedido emprestado para
comprar uma pastilha na escola, e ficava obcecada em devolver. Apesar disso ter
o seu lado bom - fiquei completamente avessa a dívidas más, nunca contraí
créditos nem nunca fiquei a dever dinheiro a ninguém, para além de evitar ao
máximo sequer pedir - era num grau que chegava a ser extremo e tóxico. Não
tem mal nenhum receber ajuda, seja ela pedida ou não. Esse foi o primeiro
desbloqueio. Hoje somos nós ajudados, amanhã ajudamos nós, é um ciclo. Não temos
de ser constantemente cobrados nem estar sempre a cobrar dos outros.
Mas
ainda antes destes desbloqueios, tive uma fase muito consumista, fruto da
frugalidade excessiva com a qual cresci. Eu nunca tinha roupa nem brinquedos
novos. Ou era raro. Vá, também não quero ser injusta, tinha algumas coisas Sim.
Mas sempre acompanhado do "nem sabes o quanto tive de trabalhar e passar
fome para teres essa mochila". Outra vez o sentimento de culpa, de
cobrança. Sempre aquele tom de "isso é um luxo e serás para sempre cobrada
por isso". Mesmo que não fosse propositado, era essa a mensagem quase
subliminar.
E
eu cresci sempre a acreditar que não merecia nada. A vasta maioria da roupa
que tinha era em terceira mão, passada pelas minhas primas ou filhas dos
amigos. Achava que não podia ter nada de novo. Que para ter algo de novo era
preciso alguém sofrer muito e eu não queria ter essa responsabilidade, esse peso.
Só que tinha.
Para piorar, eu cresci rodeada de pessoas ricas. Andei em colégios
privados desde a primária até ao secundário. Talvez por esse peso financeiro,
não havia espaço para o resto? Aliás até mesmo por isso eu era cobrada. Porque
me davam condições para ter uma educação de excelência, mas isso significava
sacrifício extremo e eu sentia-me culpada por isso. Extremamente culpada.
Aliás, ainda hoje sinto.
Mas
continuando, cresci a ver isto: todos os meus colegas tinham a roupa e a
mochila e o material escolar e os brinquedos mais in e mais na
moda e mais no momento. E eu só tinha coisas velhas da década anterior e que já
tinham sido usadas por 2 pessoas antes de mim.
E
eu era excluída por isso. Naquele meio contava muito a aparência e nisso eu
perdia aos pontos. Não ajudava o facto de eu ser tímida e introvertida, mas
como também não tinha a mochila da Eastpak ou a camisola da gap, já era posta
de parte. Isso fez crescer em mim uma coisa muito feia: inveja. Inveja
e revolta.
Há
um episódio do qual nunca mais me vou esquecer. Tinha uma amiga que era rica.
Ou, vá, agora olhando para trás ela não era rica, mas aos meus olhos naquela
altura era, porque ela tinha imensos brinquedos e isso era a minha definição,
na altura, de ser "rica". Tinha imensos brinquedos, e novos, e eu ia
a casa dela brincar. Quando voltava para a minha, não tinha nada. Tinha pouco e
nem sequer era o que eu queria, era o que alguém podia doar-me que já tinha
sido usado. Atenção, nada contra as coisas em segunda mão, nada mesmo! Mas
quando é TUDO assim e mesmo ao lado tens uma amiga que tem tudo o que quer e
novo, como é que uma criança de 8, 9 ou 10 anos encara isso?? Enfim, um dia,
tal era a inveja, comecei a roubar-lhe brinquedos. Fui levando um e depois
outro e depois mais outro. E ela nem sequer dava por falta deles, tal era a
quantidade de brinquedos que ela tinha. Levei um monte deles para casa e
brincava com eles.
Um
dia, tinha uns 9 ou 10 anos e deu-me um ataque de consciência! Sabia que aquilo
era errado. Meti os brinquedos todos num saco e levei num dos dias que fui a
casa dela e, sem ela perceber, tirei os brinquedos do saco e pu-los lá no meio
das centenas de outros. Nem sei se ela algum dia percebeu isso.
Nunca mais, mesmo, me vou esquecer disto: a inveja que eu tinha dela, e a
crise de consciência que me deu naquela altura por essa inveja me ter levado a
roubar.
E
portanto sempre cresci com esta imenso sentimento de falta de
merecimento. Sentia que não merecia nada e que se tivesse direito a
alguma coisa boa isso era sinónimo do sofrimento de alguém (os meus pais) e que
eu era culpada disso. Os meus pais só me queriam mostrar o valor das
coisas, mas acabou por ter um efeito nefasto, porque era em excesso.
Dado ter crescido com este sentimento de escassez, de falta de
merecimento e de frugalidade excessiva (frugalidade é bom, hoje vejo isso, mas
como em tudo, quando é demais é mau), tive uma fase extremamente
consumista na minha vida. Quando comecei a ter alguns trabalhos na
adolescência, ganhava e gastava tudo em roupa e saídas e coisas supérfluas que
não me serviam para absolutamente nada. Só pare preencher aquele vazio de nunca
ter tido acesso àquelas coisas. Gastava 200€ na Primark como se fosse tomar um
café! Hoje percebo que ter dinheiro não é bom para ter mais roupa ou mais
bibelots em cima dos móveis (Deusmalivre, bibelots! Quanto menos tralha,
melhor!!!); mas, na altura, foi a minha forma de pensar e agir, para compensar.
Tinha excesso de coisas que não precisava mas continua a comprá-las porque me
fazia sentir bem.
Isto tudo era muito off, mesmo. E quando ganhei
alguma maturidade emocional, comecei a perceber que esses sentimentos e
comportamentos eram tóxicos e que tinha de fazer algo para os mudar. Os
sentimentos, não as pessoas ou os acontecimentos em si. E, aos poucos, fui
conseguindo!
(Agora que li tudo o que escrevi até agora, parece que estou a desdenhar
os meus pais. Não estou. Não é de todo a minha intenção. Eles fizeram o melhor
com o que tinham e como sabiam, cometeram estes erros. Eu como mãe de certeza
que cometo e cometerei outros. É normal. Mas não tira o peso que todos acabamos
por carregar. E este que falo aqui é um deles. Um dos que mais carreguei e
ainda carrego, apesar de aos poucos estar a conseguir descarregá-lo.)
Como encaro hoje as questões do dinheiro, da independência, da frugalidade,
do consumismo, do ajudar ou ser ajudada, das cobranças, dos investimentos, e
tudo isso?
Fica para um outro post, que este já vai longo :P
Sem comentários:
Enviar um comentário