domingo, 4 de agosto de 2024

08082023 - Tropeçar nos amanhãs / Pressa para viver

 

Gosto de colecionar Vida

Colecionar experiências

Abraçar a irreversibilidade e irrepetibilidade de cada momento

Escrever passados para os folhear como livros, num qualquer futuro.

 

Esta noção de fragilidade, de que amanhã, este hoje será passado

Provoca-me a ânsia de ter "passados realizados"

Microvidas vididas

Significados preenchidos.

 

Não deixar o tempo simplesmente ser, tal como é

Sem querer pintar a sua abstratividade com as minhas noções de rápido ou lento.

Este sentido de urgência em viver, de alimentar a minha alma,

Em que o presente é uma ponte tão difícil de encontrar, de equilibrar.

 

Tropeço nos amanhãs que tão rapidamente se transformam em "ontens"

Uma pressa, não sei bem para quê

Talvez para viver mais , sentir mais

Um prazer escondido (e inexplicável) em ver e sentir o tempo a passar

E eu a preenchê-lo com a minha existência,

E a absorvê-lo com a minha sede de viver, e conhecer, e aprender

E experienciar mais.

 

A vida é a morte a cada momento

Porque cada momento presente deixa de o sera cada milisegundo que passa

A tentativa de ganhar controlo sobre algo que não tem controlo, de todo: a passagem do próprio tempo

A impermanência, a transitoriedade, a finitude

É maior que eu, transcende-me

E tem efeitos colaterais.

 

É lembrar-me, uma e outra vez, de estar simplesmente presente.

 

Este poema reflete algo que eu já me dei conta, muitas vezes, sobre mim e sobre o meu comportamento. No outro dia dei por mim a folhear a minha agenda e o meu "diário" (não escrevo em estilo diário, mas é um caderno onde escrevo muitos dos meus pensamentos e emoções) e dei por mim a fazer isso: a folhar tudo o que estava para trás, com prazer e satisfação, a reviver o que já se passou só neste ano, e na evolução que fiz em termos de desenvolvimento pessoal. Foi um momento de consciência pura, em que me observei, literalmente, a ter um comportamento, que tenho sempre e de forma automática, assim como a observar a minha emoção ao fazê-lo: satisfação. Satisfação, de algum modo, pelo meu "eu passado", como se olhasse para mim própria no passado e fosse uma pessoa diferente, que já fez isto e aquilo. Adoro essa sensação de já "ter feito coisas" porque a um nível ainda mais profundo e elementar me faz sentir que vivo a vida. Num nível mais superficial, gosto de fazer listas de tarefas e depois riscá-las, adoro a sensação  de estar a ser produtiva, gosto de fazer as coisas acontecer, não gosto de deixar coisas a marinar, coisas pendentes, coisas que demoram muito, detesto tempos mortos em que sinto que não tenho nada para fazer e tendo sempre a preenchê-los com algo que tenha significado para mim. Mas isso tudo são sintomas superficiais disto mesmo: eu gosto é de viver, absorver mais, aprender mais, completar-me mais. Acabo por refletir isso no futuro: quantas vezes, ao deitar-me, e por mais cansada que esteja, já quero que seja o dia seguinte para fazer isto, aquilo ou acolotro? Da mesma forma que anseio por todo o potencial do amanhã, do futuro, também me dá um quente no coração por rever agendas antigas, diários, álbuns de fotografias. Gosto muito de reviver o passado, também - o bom com sentimento de saudosismo e o mau com sentimento de gratidão, pelas lições que me trouxe. Tantas vezes dou por mim a pensar em termos de "olha o que aquela experiência me trouxe. Aprendi isto, isto e aquilo; hoje sou assim e assado, por causa daquilo". Gosto de revisitar a forma como tenho vindo a processar os acontecimentos da vida e adaptar as minhas respostas para os acontecimentos futuros - reais ou hipotéticos. É um grande e, para mim prazeroso, exercício mental/psicológico/espiritual até. Gosto tanto daquela sensação de "missão cumprida" quanto a de "e agora, o que vem a seguir? quero mais".

Agora, este conhecimento - autoconhecimento - por si só não é bom nem mau. É neutro. Aqui a questão é o quão funcional é para mim, o que vai um pouco de encontro à questão da adaptabilidade. Se, em algumas vertentes, o facto de eu ter este "traço", digamos, ser extremamente funcional, pois motiva-me a fazer, é o que me motiva a levantar da cama de manhã, é uma cassete que diz "levanta-te, tens de viver, deves viver, é tão bom viver" (apesar de, atenção, não obstante tudo isto, eu também adorar volta e meia passar um dia inteiro no sofá a ver séries! mas lá está, um dia chega! depois já quero é fazer alguma coisa!), realmente dá-me uma espécie de força motriz, motiva-me a procurar experiências novas, a viver coisas novas, a aprender coisas novas, a nunca parar de evoluir... por outro lado, e ao mesmo tempo, tenho tanta ânsia de viver e de fazer as coisas, que por vezes se torna sufocante, sobretudo para quem me conhece melhor e que me diz "não sejas falta de ar". 

Então, e é aqui que eu acho que se encontra o ponto fulcral de como navegamos o nosso autoconhecimento e o aplicamos à nossa vida quotidiana: é encontrar o sweet spot entre estas duas coisas. Reconheço que muitas vezes transbordo desta coisa do "já era para ser ontem" para quem me é mais próximo e isso pode ser extremamente irritante para essas pessoas. O facto de estar mais consciente disso hoje em dia - e não, nem sempre tive esta consciência do quão chata consigo ser - permite-me navegar mais facilmente entre a minha ânsia do fazer e do ser, e o respeito pelos limites alheios e até mesmo para mim própria: ser capaz de ter um diálogo comigo própria em que me relembro que o mundo não acaba hoje, em princípio não morrerei amanhã, e portanto tento induzir-me a levar as coisas com mais calma. Não quero retirar completamente a força e a motivação de viver que tenho naturalmente, quero só por vezes desacelerar um pouco e viver mais no presente.

 

Sim, um dos meus desafios atuais é mesmo viver mais no presente e ter esta noção de que o momento presente é o futuro do ontem, o que eu ansiei ontem, e será o passado do amanhã, para o qual eu irei olhar saudosamente ou com gratidão. Então, tudo se resume ao aqui e agora, como é cliché dizer, but it all comes down to it. E eu cada vez mais me apercebo de que as nossas características não têm de ser boas ou más, positivas ou negativas. São o que são. O importante é estarmos conscientes delas e de como as colocamos para fora de nós.

 

Para finalizar, uma frase que me marcou bastante, e que penso que reflete bem este tema na minha vida, do livro "Man's Search for Meaning", de Viktor E. Frankl (livro que recomendo muito para quem se interessa por estes temas):

(...) people tend to see only the stubble fields of transitoriness but overlook and forget the full granaries of the past into which they have brought the harvest of their lives: the deeds done, the loves loved, and last but not least, the sufferings they have gone through with courage and dignity.


Tradução:

(...) as pessoas tendem a ver apenas os campos de restolho da transitoriedade, mas ignoram e esquecem os celeiros cheios de passado para os quais trouxeram a colheita das suas vidas: as ações realizadas, os amores amados e, por último, mas não menos importantes, os sofrimentos pelos quais passaram, com coragem e dignidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário