Gosto de
colecionar Vida
Colecionar
experiências
Abraçar a
irreversibilidade e irrepetibilidade de cada momento
Escrever
passados para os folhear como livros, num qualquer futuro.
Esta noção de
fragilidade, de que amanhã, este hoje será passado
Provoca-me a
ânsia de ter "passados realizados"
Microvidas
vididas
Significados
preenchidos.
Não deixar o
tempo simplesmente ser, tal como é
Sem querer
pintar a sua abstratividade com as minhas noções de rápido ou lento.
Este sentido de
urgência em viver, de alimentar a minha alma,
Em que o
presente é uma ponte tão difícil de encontrar, de equilibrar.
Tropeço nos
amanhãs que tão rapidamente se transformam em "ontens"
Uma pressa, não
sei bem para quê
Talvez para
viver mais , sentir mais
Um prazer
escondido (e inexplicável) em ver e sentir o tempo a passar
E eu a
preenchê-lo com a minha existência,
E a absorvê-lo
com a minha sede de viver, e conhecer, e aprender
E experienciar
mais.
A vida é a
morte a cada momento
Porque cada
momento presente deixa de o sera cada milisegundo que passa
A tentativa de
ganhar controlo sobre algo que não tem controlo, de todo: a passagem do próprio
tempo
A
impermanência, a transitoriedade, a finitude
É maior que eu,
transcende-me
E tem efeitos
colaterais.
É lembrar-me,
uma e outra vez, de estar simplesmente presente.
Este poema
reflete algo que eu já me dei conta, muitas vezes, sobre mim e sobre o meu
comportamento. No outro dia dei por mim a folhear a minha agenda e o meu
"diário" (não escrevo em estilo diário, mas é um caderno onde escrevo
muitos dos meus pensamentos e emoções) e dei por mim a fazer isso: a folhar
tudo o que estava para trás, com prazer e satisfação, a reviver o que já se
passou só neste ano, e na evolução que fiz em termos de desenvolvimento
pessoal. Foi um momento de consciência pura, em que me observei,
literalmente, a ter um comportamento, que tenho sempre e de forma automática,
assim como a observar a minha emoção ao fazê-lo: satisfação.
Satisfação, de algum modo, pelo meu "eu passado", como se olhasse
para mim própria no passado e fosse uma pessoa diferente, que já fez isto e
aquilo. Adoro essa sensação de já "ter feito coisas" porque a um
nível ainda mais profundo e elementar me faz sentir que vivo a vida.
Num nível mais superficial, gosto de fazer listas de tarefas e depois riscá-las,
adoro a sensação de estar a ser produtiva, gosto de fazer as coisas
acontecer, não gosto de deixar coisas a marinar, coisas pendentes, coisas que
demoram muito, detesto tempos mortos em que sinto que não tenho nada para fazer
e tendo sempre a preenchê-los com algo que tenha significado para
mim. Mas isso tudo são sintomas superficiais disto mesmo: eu gosto é de
viver, absorver mais, aprender mais, completar-me mais. Acabo por refletir
isso no futuro: quantas vezes, ao deitar-me, e por mais cansada que esteja, já
quero que seja o dia seguinte para fazer isto, aquilo ou acolotro? Da mesma
forma que anseio por todo o potencial do amanhã, do futuro, também
me dá um quente no coração por rever agendas antigas, diários, álbuns de
fotografias. Gosto muito de reviver o passado, também - o
bom com sentimento de saudosismo e o mau com sentimento de gratidão, pelas
lições que me trouxe. Tantas vezes dou por mim a pensar em termos de
"olha o que aquela experiência me trouxe. Aprendi isto, isto e aquilo;
hoje sou assim e assado, por causa daquilo". Gosto de revisitar a
forma como tenho vindo a processar os acontecimentos da vida e adaptar as
minhas respostas para os acontecimentos futuros - reais ou hipotéticos. É
um grande e, para mim prazeroso, exercício mental/psicológico/espiritual até.
Gosto tanto daquela sensação de "missão cumprida" quanto a de "e
agora, o que vem a seguir? quero mais".
Agora, este
conhecimento - autoconhecimento - por si só não é bom nem mau. É neutro. Aqui a
questão é o quão funcional é para mim, o que vai um pouco de
encontro à questão da adaptabilidade. Se, em algumas vertentes, o
facto de eu ter este "traço", digamos, ser extremamente funcional,
pois motiva-me a fazer, é o que me motiva a levantar da cama de manhã, é uma
cassete que diz "levanta-te, tens de viver, deves viver, é tão bom
viver" (apesar de, atenção, não obstante tudo isto, eu também adorar volta
e meia passar um dia inteiro no sofá a ver séries! mas lá está, um dia chega!
depois já quero é fazer alguma coisa!), realmente dá-me uma espécie de força
motriz, motiva-me a procurar experiências novas, a viver coisas novas,
a aprender coisas novas, a nunca parar de evoluir... por outro lado, e
ao mesmo tempo, tenho tanta ânsia de viver e de fazer as coisas,
que por vezes se torna sufocante, sobretudo para quem me conhece
melhor e que me diz "não sejas falta de ar".
Então, e é aqui
que eu acho que se encontra o ponto fulcral de como navegamos o nosso
autoconhecimento e o aplicamos à nossa vida quotidiana: é encontrar
o sweet spot entre estas duas coisas. Reconheço que muitas
vezes transbordo desta coisa do "já era para ser ontem" para quem me
é mais próximo e isso pode ser extremamente irritante para essas pessoas. O
facto de estar mais consciente disso hoje em dia - e não, nem sempre tive esta
consciência do quão chata consigo ser - permite-me navegar mais
facilmente entre a minha ânsia do fazer e do ser, e o respeito pelos limites
alheios e até mesmo para mim própria: ser capaz de ter um diálogo comigo
própria em que me relembro que o mundo não acaba hoje, em princípio não
morrerei amanhã, e portanto tento induzir-me a levar as coisas com mais calma. Não
quero retirar completamente a força e a motivação de viver que tenho
naturalmente, quero só por vezes desacelerar um pouco e viver mais no presente.
Sim, um dos
meus desafios atuais é mesmo viver mais no presente e ter esta noção de que o
momento presente é o futuro do ontem, o que eu ansiei ontem, e será o passado
do amanhã, para o qual eu irei olhar saudosamente ou com gratidão. Então, tudo
se resume ao aqui e agora, como é cliché dizer, but it all comes down
to it. E eu cada vez mais me apercebo de que as nossas características
não têm de ser boas ou más, positivas ou negativas. São o que são. O importante
é estarmos conscientes delas e de como as colocamos para fora de nós.
Para finalizar,
uma frase que me marcou bastante, e que penso que reflete bem este tema na
minha vida, do livro "Man's Search for Meaning", de Viktor E. Frankl
(livro que recomendo muito para quem se interessa por estes temas):
(...) people tend to see only the stubble fields of transitoriness but
overlook and forget the full granaries of the past into which they have brought
the harvest of their lives: the deeds done, the loves loved, and last but not
least, the sufferings they have gone through with courage and dignity.
Tradução:
(...) as pessoas tendem a ver apenas os campos de restolho da
transitoriedade, mas ignoram e esquecem os celeiros cheios de passado para os
quais trouxeram a colheita das suas vidas: as ações realizadas, os amores
amados e, por último, mas não menos importantes, os sofrimentos pelos quais
passaram, com coragem e dignidade.
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