Ontem tive quase 2 horas de psicoterapia - finalmente,
e depois de vários meses de procrastinação, em que ia sempre adiando dar este
passo, em que a minha interpretação era a de que estava a protelar mas hoje
percebo que simplesmente não me sentia preparada e a minha intuição dizia que
não era o momento certo, e tinha razão, pois finalmente encontrei a pessoa
certa
Foi a 3a sessão e, enquanto falava numa tomada de
decisão (de vida, ou a médio/longo prazo) que estava a ter dificuldades em
perceber, ela fez-me uma pergunta, que depois se desenrola numa conversa que me
levou a ter uma espécie de "epifania":
Mas
quem é que quer isso? De onde vem essa ânsia? É a tua intuição de adulta, ou é
essa criança curiosa e entusiasmada que eu vejo desde o princípio?
Então, a epifania
deu-se e toda a conversa a seguir encaixou na perfeição com isto mesmo.
Já disse várias vezes
que a minha infância foi tudo menos alegre. Não tenho irmãos, me lembro de ter
grandes amigos até à adolescência, não me lembro de brincar grande
coisa, e quando as pessoas falam nas suas alegrias de infância, nada ressoa
em mim. Não me identifico minimamente. E embora possa ter "falsas
memórias" (como tantas vezes me acusam de ter), ou de me ter esquecido de muita coisa e
basicamente só ter flashbacks da minha infância, uma coisa é
certa e está bem resolvida comigo mesma, é que realmente, muito ficou
por brincar, muito ficou por fazer desde essa época. A juntar a essa
"ausência" ou carência, desde muito cedo fui exposta a questões de
adultos, desde as coisas mais básicas como acordar sozinha aos 6 anos para ir
para a escola, ter de me desenrascar sozinha nas questões práticas do
dia-a-dia, até discussões e conflitos etc etc.
Não quero mais
"chafurdar" nisso, sinceramente! Não é que o negue, mas
realisticamente, já aceitei e estou em paz com isso. Já chorei isso. Já fiz o
luto disso. Foi o que foi, não o posso mudar.
No entanto agora
entendo de forma muito mais clara tudo isto que sinto na minha vida adulta:
- Vontade exacerbada
de viver
- Ânsia de viver, ser
"falta de ar"
- Querer tudo já,
agora ou para ontem
- Ficar impaciente
quando não corre à velocidade que eu quero
- Curiosidade no nível
máximo, por conhecimento e experiências
- Sentir-me
extremamente atraída por experiências novas
- Sentir por vezes um
entusiasmo e uma euforia desmedidas
A forma mais simples
de explicar é a demonstração de entusiasmo da Lia. Ela faz uma cara muito
específica quando está entusiasmada e eu quando olho para essa reação dela,
algo mexe dentro de mim. Reflete em mim. Eu ainda tenho aquela criança
muito viva.
Grande parte das
decisões de vida que tomei até agora foram baseadas nesta criança curiosa e
entusiasmada. Que não tem medos e me
diz "vai! Faz! Há tanta coisa pra fazer na vida! Tens de fazer tudo! E tem
de ser tudo agora! " Tipo como uma criança que quer um brinquedo e os pais
dizem que "depois voltamos" e a criança só fica a pensar naquilo,
quando é que pode voltar lá à loja ou ao parque ou whatever it is that
makes her happy.
De forma mais adulta,
matura, "evoluída", eu ainda sou essa criança entusiasmada.
E essa ânsia de viver e de fazer coisas novas e experimentar e
de ficar rapidamente farta quando as coisas ficam entediantes. Isto é tal e
qual como quando vejo a Lia super entusiasmada com uma brincadeira nova e
depois rapidamente quer passar a outra e aquela expressão de entusiasmo que ela
faz quando lhe dizemos que temos uma surpresa. Sou eu!
Vejo isto de forma tão
clara e perfeita agora, que é incrível!!!
A verdade é que todas
essas coisas sou eu a brincar tudo o que não brinquei. Todo o
entusiasmo que não pude ter ou expressar em criança. A ânsia de
descobrir coisas novas, de ser livre, de explorar. Realmente sinto
isso, que não tive a oportunidade de o viver enquanto criança, então o
que tenho feito na vida é isso: brincar!!!
Às vezes quando estou
a brincar às lutas com a Lia e começamos as duas a rir alto e a gritar, vem o
pai e diz "acalmem-se meninas". E eu digo "sim pai!
Chato!". Nessas alturas, lá está, eu criança, a viver a criança com outra
criança
Outras coisas que
sinto que mantenho desta minha criança é abertura de espírito
- que acaba por ter a ver com a curiosidade - tendência
para aceitação overall, ingenuidade (por vezes demais até,
acredito em tudo o que me dizem e sou muito má a descodificar ironia ou
sarcasmo), facilidade em acreditar. Isto não é para me gabar,
tenho imeeeeeensos defeitos! Mas estes traços, sim, tenho imenso, e
agora percebo, que são esta minha criança ainda muito viva, a reviver a
infância na sua vida adulta. E que não os devo nem quero renegar ou
alterar de forma alguma!
OK! Tudo muito giro, e agora o que faço com isso?!
Nada! É algo
completamente integrado e funcional. Consigo ser a adulta responsável
(responsabilidade essa que ganhei demasiado cedo, tanto que sempre ouvi dizer,
de várias vezes, que tinha mais maturidade do que a média para a idade que
tinha), e consigo também viver e alimentar esta criança. Pode
vir de uma certa carência, sem dúvida, que agora estou a compensar, mas tenho
vindo a fazê-lo de forma completamente funcional. E sinceramente, sabe-me bem.
Sinto-me satisfeita por poder viver (com) esta criança curiosa e
entusiasmada. Quero continuar a vivê-la. Sinto que devo honrá-la e
continuar a vivê-la. Talvez amanhã tudo mude, mas por hoje, sinto que
quero continuar.
O facto de ter vindo a
fazer isto, ao longo da vida, até agora, mesmo não de forma tão clara ou
consciente como tenho agora, permitiu-me ter experiências de vida maravilhosas,
conhecer pessoas maravilhosas e ter este sentimento de "fulfillment"
por me permitir fazer as coisas que alimentam não só esta criança, como a minha
alma. Então, não me arrependo de nada. Muitas vezes tomei decisões
impulsivas, movidas por essa ânsia infantil, mas que me levaram sempre a sítios
bons.
E no fundo, é
essa a visão que tenho da vida, também. Tenho uma parte muito
inquieta, de busca de significado, mas também tenho esta outra parte que
simplesmente vê a vida como uma brincadeira, uma gigante oportunidade
de experienciação, adora existir e viver e permitir-se viver emoções e
sensações ao máximo, de exploração e curiosidade pelo desconhecido.
Para além disso, viver
esta minha WONDERLAND, é extremamente terapêutico para mim. Tem
sido, sem me aperceber. Faz-me sentir alinhada, centrada, e que sigo o que o
meu coração me diz. Faz-me sentir plena, que faço justiça às minhas
necessidades, mesmo que elas venham lá desde bem cedo na minha vida. Gosto
desta parte em mim, e respeito-a. E ter chegado a este nível de
autoconhecimento, é valioso para mim. Sinto que devo celebrar estas pequenas
vitórias 😊
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