A Libertação da Alma - Michael
Singer
Este é um dos melhores livros de
"auto-ajuda" que li até hoje. Apesar dos conceitos em si serem
"populares" no mundo do desenvolvimento pessoal, mas sobretudo
espiritual, este livro realmente vai a sítios mais profundos e
fornece-nos material "food for thought" não tão imediato de
integrar como outras obras, talvez mais
pragmáticas.
Tinha tanto para dizer, mas
confesso que ainda estou a processar. 😂
Vou tentar resumir a(s)
proposta(s) do autor e depois as minhas reflexões / críticas.
A ideia base é esta: nós não
somos nada daquilo que acreditamos ser. Afinal, o que é aquilo em que
acreditamos ser? Na realidade, nós somos uma uma matéria inteligível, a
um nível muito inconsciente, ao qual a vasta maioria das pessoas não
consegue aceder porque não tem consciência de que é a sua própria consciência e
não as personas que encarna, nem os estados mentais/emocionais/cognitivos que
vive, na realidade o Ser não é nada daquilo que vive ou que faz ou lhe
acontece.
A proposta
dele, de uma forma muito simples, é de que quem o "eu" realmente é, é
aquele que VÊ, aquele que observa todas essas coisas. O ser é simplesmente o
ser e tudo o resto são "smoking mirrors".
1 - O
Despertar da Consciência
O ato de estar ciente
de estar ciente é uma espécie de porta de entrada. Um momento "aha!". É extremamente difícil integrar
este conceito, porque estamos tão embrenhados e tão dentro de tudo aquilo que
nos rodeia e daquilo que rodeia nossa psique e tudo a construção interior
que temos. Mas o estar ciente de que é possível estar ciente de estar
ciente é completamente life-changing para começar. É onde
começamos a conhecer o nosso Eu Lúcido.
Se realmente pararmos para refletir sobre isto, facilmente concluímos
que realmente não somos nada da dança constante de pensamentos e emoções que
acontecem na nossa cabeça. Tudo isso é simplesmente a mente. Nós
não somos a nossa mente. Nós somos aquele ser silencioso que está por
detrás da mente. Somos aquele que vê a nossa mente.
No fundo, eu equiparo estas
ideias a ter sonhos lúcidos. Quando estamos a sonhar e nos
apercebemos que estamos a sonhar. Conseguimos literalmente ver o sonho.
Aí, temos duas escolhas. Ou começamos a controlar o sonho, ou deixamos o sonho
fluir.
(Ter sonhos lúcidos é ótimo e é
uma coisa treinável. Já tive vários, mas não é fácil conseguir fazê-lo).
Da mesma forma, pode-se dizer que
é como ver um filme. É como ver um filme da nossa própria vida. O
"eu" verdadeiro é o mero espectador. Tudo o resto é encenação.
2 - O Apego
O autor também defende que a raíz
dos nossos maiores problemas de psique, das nossas inquietações e desassossegos
internos e daquilo que nós apelidamos de problemas (dando-lhes logo uma
conotação negativa, quando um problema é simplesmente um facto ou
acontecimento) é o nosso apego a elas.
Apegamo-nos a esta
ideia do eu. Eu sou, eu não sou, eu gosto, eu não gosto, eu
faço, eu não faço. Estas ideias basilares refletem-se depois no mundo externo,
o julgamento externo começa no julgamento interno. Apegamo-nos às
ideias do que são coisas boas ou más, fechamo-nos sobre elas e construímos
paredes à volta delas.
No fundo, criamos uma
identidade e apegamo-nos a ela, da mesma forma que criamos uma ideia
do mundo e nos apegamos a ela.
Este apego bloqueia a nossa
intuição. Se pensarmos em intuição, o que é? É o "eu", aquele que
está por detrás da mente, aquele que não fala nem pensa por palavras, mas que
diz tudo o que importa. Tantas vezes calamos e ignoramos essa intuição do
"eu" porque estamos demasiado envolvidos nos enredos da mente, nas
crenças e em tudo o mais que compõe esse universo.
3 - A
Libertação
O argumento aqui é de que todas aquelas ideias estão erradas. E aqui
posso perguntar-me "mas quem acha que tudo isso está errado? Está mesmo
errado, ou é a mente do autor que pensa que isso está errado? Será que ele
observa que ele não é as ideias que põe no livro, mas sim o sujeito que observa
essas mesmas ideias?". E aqui começa o meu questionamento acerca do livro.
O que ele defende é que a
verdadeira paz interior é o libertar de tudo isso. Começar por
estar ciente de que se está ciente e trabalhar nesse processo a um ponto em que
atingimos uma profunda compreensão de que tudo isso são objetos que nós
observamos enquanto sujeitos. Não são verdades absolutas, são as
nossas verdades.
No fundo, é conseguirmos sair de
nós mesmos e do teatro que é a nossa cabeça.
Da mesma forma que num sonho
lúcido conseguimos olhar e dizer "espera aí, eu estou a sonhar, mas eu não
sou isto, eu estou deitada na minha cama a dormir e isto está a acontecer, só
que eu agora apercebi-me de que isto está a acontecer". Ou da mesma forma
como quando assistimos a uma discussão, pensamos "aquelas pessoas estão a
discutir, eu não estou no meio do conflito, eu só estou a assistir". É a
aplicação desta mesma lógica mas para com a nossa mente. Não somos a
nossa mente, somos espectadores da nossa mente e de todos os pensamentos e de
todas as milhentas vozes que discutem entre si e que criam esse enredo e
melodrama. A proposta é libertarmo-nos desse melodrama pela
via da auto-observação.
4 - A Dor e o
Desconforto
Now let it sink in.
O estar ciente de
tudo isto provoca dor e desconforto porque desafia absolutamente tudo aquilo em
que acreditávamos até àquele ponto, portanto abala com a nossa estrutura a que
cremos ser sólida e afinal não é. O
aceitar e deixar passar essa dor e desconforto faz parte do processo. A
maior parte das nossas dores vêm do apego aos nossos medos. Temos
medos, que surgem mascarados de várias formas, como ansiedade, por exemplo, e
vivemos em função disso.
Para conseguirmos evoluir, temos
de reconhecer e enfrentar isso, passar para além do medo, como atravessando uma
onda.
Estando consciente de tudo isto,
é possível, a cada situação, a cada acontecimento, a cada estímulo, seja ele
interno ou externo, tentar responder às questões "qual é a minha reação?
Qual é o meu medo? Porque estou a reagir assim? Porque me observo a reagir
assim? Porque me observo a criar isto, a acreditar nisto?". Isto é
extremamente desconfortável, quando feito com intenção verdadeira. Se
o fizermos muitas vezes, eventualmente deixa de doer tanto, porque vamos também
trabalhando no processo o nosso medo dessa dor.
5 - Tudo é
energia, deixar e energia fluir
Absolutamente tudo o que é bom ou
mau - aquilo que nós, enquanto sujeitos, observamos e acreditamos ser bom ou
mau - é energia. A maior parte dos"objetos" que passam
por nós no quotidiano, nem conseguimos estar atentos. Quando estamos, por
exemplo, a conduzir numa estrada, a nossa mente apenas consegue estar atenta a
uma reduzida percentagem de todos os estímulos exteriores. É uma característica
evolutiva que nos permite sobreviver. O mesmo acontece com emoções,
pensamentos, experiências, "problemas", pessoas, crenças, etc. Tudo
isto são objetos que nós experienciamos enquanto sujeitos.
Agora, algumas destas coisas (a
maioria) flui, entra e sai do nosso corpo, mas algumas ficam bloqueadas. E
são essas coisas que não libertamos (o tal apego) que faz com que surjam
inquietações de natureza mental. No fundo, todas as doenças mentais podem ter
raíz neste fenómeno humano, de formas mais ou menos complexas, com
menor ou maior profundidade.
A tese dele é que é
fundamental identificar, processar e deixar essas energias fluir e saírem do
corpo. Uma espécie de rendição = libertação. Abrindo mão da falsa solidez em
que acreditamos.
6 - A
verdadeira libertação e a felicidade incondicional
O desafio - e argumenta dele que
é este o estado mais puro que nos permite encontrar a verdadeira paz interior e
felicidade incondicional - é estar nesse estado de consciência permanentemente.
Aquilo a que o Budismo chama de Nirvana.
Eu já tive glimpses disto.
É um estado atingível na meditação e que eu particularmente já tive com experiências
transcandentais. É realmente
uma libertação completamente inexplicável, uma coisa que simplesmente
"sabemos", porque acedemos a esse "eu", é uma sensação de
ser tudo e nada ao mesmo tempo, inenarrável. É como uma energia que
sai do corpo e literalmente conseguimos realmente vê-la a ela e ver-nos a nós e
perceber que a nossa maior prisão, a nossa maior gaiola, somos nós mesmos. É
como aquele velha dilema filosófico: "se uma árvore cair no meio
da floresta e ninguém vir esse acontecimento, será que aconteceu mesmo?"
Requer um sujeito para observar um objeto, e o
objeto e o sujeito não são a mesma coisa, são divisíveis. Este distinguir, esta
realização... É isso.
Aplicações & Críticas
Este livro foi muito
"wow" para mim. Tive vários momentos em que senti o meu corpo a
reagir, literalmente, ao ler algumas das partes. É realmente mindblowing.
Agora, algumas
"críticas":
1 - falta de
praticabilidade, foco no resultado final e não no processo. A meu ver, é um
livro mais teórico, conceptual, exotérico, mais para refletir, mas faltam
exemplos de aplicabilidade real no dia-a-dia. Porque sim, a um nível teórico
tudo isto faz tanto sentido, no entanto, como aplicar no dia-a-dia? Também há
muito foco no resultado de "conseguir atingir esse estado", e não
tanto na beleza do processo de tentar lá chegar, ou chegar a algum tipo de
compreensão que fique mais ou menos perto.
2 - subvalorização da
utilidade e funcionalismo dos modelos mentais e da identidade. Sim, a ideia
de que não somos nada daquilo que pensamos - porque só o ato de pensar é já
toda uma encenação, e o verdadeiro "eu" é aquele que observa todos
esses modelos mentais, que o autor argumenta que devemos deixar cair. No
entanto, e porque eu estudei psicologia durante 5 anos, apresento o meu ponto
crítico aqui, é que tudo isso tem uma função social e de sobrevivência.
Quem seríamos nós sem todos esses modelos mentais, sem essas construções? Quem
seríamos nós sem o nosso senso de identidade? O mundo tornar-se-ia
numa anarquia. Sim, precisamos de ordem, precisamos de
heurísticas, precisamos de colocar o caos em alguma espécie de ordem, em nome
da sobrevivência. Se todos os seres humanos se rendessem ao puro
"eu", aquele sujeito que observa tudo isso mas que deixa de o ser, o
mundo não seria como é, talvez fosse algo diferente, talvez fosse algo
"melhor" ou "pior", talvez não existisse mundo, sei lá.
Ninguém sabe. Este ponto já abre toda uma outra discussão filosófica.
3 - então e os
"objetos bons"? O autor foca-se na questão dos problemas
psíquicos serem energias negativas bloqueadas e o caminho de solução ser a
rendição, o deixar ir, o deixar os acontecimentos desenrolarem-se sem
nos envolvermos demasiado neles. Um exemplo prático que ele utiliza e que é
muito mundano mas que exemplifica bem o que se passa a tantos outros níveis:
imaginar que estamos a conduzir e a ouvir uma música que adoramos, a passar um
bom momento e de repente alguém se atravessa e apanhamos um susto; a nossa
reação é buzinar, ficar chateado e se calhar até pensar que aquele momento já
estragou a "boa vibe" que estávamos a experienciar, algumas pessoas
inclusivamente ficam tão apegadas a isso que deixam que esse acontecimento
estrague o resto do dia delas; é isso que gera o mau humor e os estados
internos negativos. Obviamente que basta um bocadinho de consciência para
entender que deixar que esse acontecimento nos deixe de mau humor é parvo, e
que o mais intuitivo (pelo menos para mim) é processar o susto e soltá-lo. Não
ficar a remoer em coisas como "o meu chefe mandou uma boca", "a
inflação está a subir em flecha", "deixaste a luz acesa",
"já estamos em abril e ainda está frio". Epa, são coisas mundanas que
acontecem, que as sentimos, que têm impacto, mas que, se as processarmos
corretamente, daqui a uma semana nem me vou lembrar delas, porque já estou num
nível de entendimento que me permite transcender essas coisas (mas não
outras). É isso que ele quer dizer com deixar que as coisas aconteçam
mas não ceder à reação, não nos apegarmos a esses acontecimentos, nem nos
envolvermos demasiado neles. OK, mas e os acontecimentos bons? Ele não fala
disto no livro, mas se aplicarmos a lógica de nos colocarmos no lugar
do mero sujeito que observa o objeto e não se envolve demasiado nos estados
mentais e emocionais que resultam do estar dentro dos acontecimentos, e
passarmos a estar só fora deles... A questão que eu coloco é: e viver a
alegria? A paixão? O thrill? O entusiasmo? Se renegarmos as energias
"boas" e nos distanciarmos a esse ponto tão radical, iremos também
perder as melhores partes da experiência humana.
Dominar tudo isto e atingir este
estado de consciência de um modo permanente, acho que é um life-long
process. Não é por ter lido este livro ou estar super "dentro de
mim" e a observar-me a mim mesma que consigo dominar isto. Talvez nem
nunca consiga no meu tempo de vida. Mas as bases estão definitivamente lá. É
muito mais fácil para mim, hoje, voltar ao meu centro e realmente relativizar
os acontecimentos da vida, do que já foi no passado. E isso é uma ferramenta de
desenvolvimento pessoal poderosíssima.
Apesar das "críticas",
este livro cumpriu o seu objetivo de me colocar novas questões, e de me colocar
ciente de que estou ciente de que não sou realmente "eu" que estou a
escrever este post, por exemplo, mas sim toda uma Cláudia
construída por milhentas coisas a que chamo da minha identidade.
Apesar de considerar
quase impraticável alguém conseguir atingir esse estado de 100% de consciência,
eu vejo beleza e um potencial de crescimento imenso no simples ato de tentar.
Só que agora eu estou consciente, mais do que nunca, de que estou nesse processo,
de questionar, neste processo de viver com intensidade este caminho de
transformação pessoal.
"A Libertação da Alma é uma extraordinária viagem pelo
interior da mente, que permitirá alcançar um verdadeiro despertar espiritual. O
livro que todos os cépticos deveriam ler."
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