Sempre
me considerei uma pessoa com sorte e que recebe abundância.
Mesmo
convencendo-me que tenho mérito, que trabalho, que me educo e aplico as coisas
que aprendo, na realidade, no meu íntimo, não acredito muito nisso.
Mesmo
estando constantemente a mudar de percurso, de emprego, de objetivos, de alguma
forma, sinto que o universo conspira a meu favor, que me faz coisas boas
atravessarem-se no meu caminho, seja em termos de condições materiais, seja em
termos de relações e de saúde. Sem eu fazer nada por isso.
Não
faço rezas nem meditações, não tenho por hábito fazer "pedidos ao
universo", embora me identifique com o meio espiritual, a verdade é que
leio sobre isso mas aplico muito pouco.
E
ainda assim, a abundância aparece-me na vida, de uma forma e de outra,
e mesmo sem ser naquelas mais óbvias, se estiver atenta às pequenas coisas, ela
está lá.
O
meu senão é que sinto que nada disto é merecido.
Há
sempre uma vozinha na minha cabeça que diz "não mereces", "não
fizeste nada para merecer", "isto é dado, não ganho, não tem o mesmo
valor", "não tens mérito", "caramba, és mesmo sortuda"
(e mesmo que seja sorte, só sorte, pura sorte, porque havia eu de receber
tamanha sorte?).
Essas
vozes irritantes traduzem-se, na prática, em coisas como:
-
sinto sempre que nunca trabalho o suficiente, nunca faço nem farei o
suficiente, para justificar a abundância;
-
tenho muita dificuldade em receber o que quer que seja, sem ficar a sentir que
fiquei em dívida (e detesto a sensação de estar em dívida);
-
estou sempre a tentar justificar-me a mim própria, o porquê de eu ser uma
pessoa sortuda, que recebe maioritariamente coisas positivas da vida (ou estou
demasiado atenta a elas), porque não fiz nada para o merecer.
Ou
seja, a minha mente está sempre a dizer-me que tenho de arranjar formas de
justificar esta abundância, que se não o fizer, sou má pessoa.
A
base desta crença é sempre a mesma: temos de merecer, temos de fazer algo para
merecer, tudo o que nos acontece e recebemos de bom. E que, se assim é, então é
porque um dia irá acontecer-me algo de mau.
Não
consigo aceitar de forma leve a ideia de que a vida é mesmo assim. E isto é
ridículo. É ridículo e eu sei que o é, porque podia ter uma vida de m*rda ou
"ter azar" e aí sim, teria problemas a sério.
Mas
como acho que não tenho realmente problemas a sério, e que a minha
mente faz muitos joguinhos destes comigo, para me distrair, porque não pode ser
simplesmente estar tudo bem e estar tudo certo.
Ou
então, como acredito que devo sofrer para merecer alguma coisa, então invento
estas coisas na minha cabeça, para "sofrer espiritualmente" e
"beat myself down", de modo a justificar a beleza e abundância que
venho na minha vida.
Ainda
não tenho a vida dos meus sonhos, mas tenho as bases para lá chegar sem grandes
precalços, se juntar às oportunidades que tenho, o meu know-how e
trabalho dedicado a eles, mas lá está, a minha mente acaba por voltar para o
pensamento "mas mesmo com o know-how e o teu trabalho, nunca na vida seria
a mesma coisa se não tivesses condições que te foram dadas".
Por
isso, continuo a sentir que não o mereço. Que não sou digna
de tal. Que vem tudo até mim por engano, ou à custa de alguém sofrer
ou ter sofrido. Que o sofrimento é que traz essa dignidade de merecimento.
Que
devia passar por mais dificuldades, ser mais infeliz ou ter algum problema a
sério, que justificasse, a vida correr-me de feição na grande maior parte do
tempo.
Sou
grata por tudo isto - e uma vez disseram-me que uma qualidade que tenho é ser
agradecida, dar valor a tudo o que fazem por mim, e eu nunca me tinha
apercebido disso. Mas não consigo receber esta abundância de forma
leve. Alguém fez algo por mim? Tenho de retribuir. Alguém me ofereceu
um presente caro? Tenho de retribuir. Consigo ter uma vida melhor e com menos
sofrimento do que aquela que os meus pais tiveram? Tenho de fazer exatamente o
mesmo e sofrer exatamente o mesmo, porque senão, sou uma fraude.
O
facto de a receber sem fazer nada por isso, faz-me sentir uma pessoa sem valor,
sem mérito, a quem as coisas simplesmente lhe acontecem.
Acabo
por sentir que tenho uma dívida para com o mundo.
O
meu maior objetivo de desenvolvimento pessoal, neste momento, nesta fase que
estou a passar (há outros para o futuro, e já houve outros no passado), é
livrar-me estes sentimentos de falta de valor, falta de merecimento e de
sobre-pensar estas questões. Encará-las com mais leveza, aceitar que é o que é,
que não tenho de justificar as coisas boas que me acontecem, simplesmente
aceitar a vida como ela vem.
É
um grande embrulho e é um sentimento muito solitário - pois não encontrei ainda
efetivamente ninguém que dissesse "sei exatamente o que é".
Às
vezes, alimento tipos de discursos internos tão negativos, tão derrotistas, tão
"tu não vales nada porque recebes sem merecer", e isto fica aqui um
novelo tão grande, que gostava de fazer uma reprogramação total...
É
mesmo um processo de cura que preciso atravessar.
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