Não
tenho vindo escrever tantas vezes quanto gostaria, ou como imaginava que
viesse, ou como outrora já o fiz. Escrever sempre foi a forma mais terapêutica
e de ficar em contacto comigo mesma que tive e, embora mantenha um caderno onde
praticamente todos os dias escrevo para mim mesma nem que seja só uma palavra,
ou uma frase, ou um esquema, porque às vezes tenho um caos interior tão
grande que nem consigo descrevê-lo de forma fluída e fazer esquemas da minha
própria mente é a forma que tenho de a organizar minimamente, gosto
também de partilhar esta minha fase de processo, este ciclo que estou a
atravessar.
Tenho
montes de posts em rascunho, e escrevo-os todos na minha
cabeça, mas quando aqui chego, não sai nada.
A
verdade é que tenho feito mais esquemas porque os textos não me saem, depois
fico irritada quando escrevo um texto porque não ficou como eu queria, e voltam
as vozes, talvez devesses escrever poesia novamente, pega no
"livro" (nunca publicado, propriamente, apenas editado
amadoramente) de poesia que fizeste aos 16 anos e recicla, tantas das
ideias que tens lá, ainda as tens agora, 16 anos depois, com uma nova roupagem
e outra maturidade. Depois respondo-me já não tens jeito.
Depois começo a pensar, que podia ter sido escritora, ou blogger famosa, e hoje
viveria disso, mas sempre me foi incutido, que escrever não dá dinheiro, quando
ão havia internet a vida da escrita era só mesmo escrevendo livros, e depois já
se sabe, ninguém consegue, é muito difícil, tira essa ideia da cabeça e arranja
um trabalho a sério. E arranjei, um, dois, vários, dezenas, já fiz milhentas
coisas, nunca encontrei nada que me realizasse mesmo por mais de 3 anos. Mas
enfim, e evitando dispersar-me, ainda em relação à escrita, começo frases e não
as acabo, a escrita não acompanha o pensamento, está tudo demasiado
embrulhado. Aceito e abraço o embrulho.
Embora
já tenha tido várias "crises de desenvolvimento pessoal" desde que me
lembro de ser pessoa (caramba, agora que penso bem, e se fizer um esforço por
me lembrar, acho que até mesmo antes da adolescência eu tinha questões
profundas e ficava a matutar nelas, mas não havia internet na altura), nunca as
tinha apelidado desta forma. Acho que nunca as tinha apelidado, de todo, só
descobri que "desenvolvimento pessoal" é uma cena, agora, aos 32
anos.
Tenho
sentido profundas sensações de desconforto, dor, sombra, questionamento, e uma
falta generalizada de senso de valor, mas ao mesmo tempo, está a ser uma das
fases mais bonitas. Porque gosto de
pensar, gosto de questionar, gosto de ler sobre temas e sobre perspetivas que
outras pessoas já tiveram sobre temas, às vezes tão específicos que nem o
Google me devolve a informação que pesquiso, e sinto que se gera uma força
qualquer criativa dentro de mim, que me serve a vários níveis. É como
um sentir-me mal que me faz sentir bem. Uma coisa muito ambivalente e
com aquela intensidade de sempre que me deixa exausta.
Os
discursos internos negativos e as comparações. Reeducar-me a mim mesma.
Auto-discursos
negativos. Tenho muitos. Tantos. Um dos meus desafios é mesmo conseguir
reeducar-me para ser menos má comigo mesma. Podem não ser pensamentos diretos,
mas são crenças que uma e outra vez se manifestam. Não sou suficiente,
não mereço, não valho nada, não consigo nada, o que fiz até hoje, e foi muita
coisa, não teve valor nenhum, tudo falhou, desisti de tudo, fui sempre atrás de
coisas novas porque as experiências novas me atraem, porque adoro mudanças, por
isso nunca consegui construir nada com pés e cabeça, com início e fim; os teus
pensamentos são parvos, as tuas emoções são estúpidas, não tens nada que te
queixar, não tens de te sentir assim.
Porque é que eu sou assim comigo mesma?
Penso, diria estas coisas a qualquer outra pessoa? Diria à Lia? Nunca! Porque
digo a mim mesma?
A
minha cena agora são podcasts de desenvolvimento pessoal.
Passo horas e horas a ouvir, sobre vários temas, várias pessoas que também
estão no processo (embora muitas digam que "passaram pelo processo",
eu acho que sinceramente é um processo que nunca acaba propriamente, e ainda
bem, porque acho que no momento em que achamos que está tudo bem e que estamos
bem, é o momento em que deixamos de evoluir), e tendo a comparar-me.
Lá vem a voz outra vez: porque ainda não tinhas pensado nisso, porque
esta pessoa é mais evoluída do que tu, porque esta pessoa tem um podcast
brilhante, e se começasses a fazer o mesmo? Claro que não tens coragem. Esta
pessoa tem um blog super conhecido, esta pessoa escreveu um livro, se viveres
isto sem partilhares com ninguém, não és nada.
Estou
em puro processo de ser mãe de mim mesma, de me reeducar, para que estes
pensamentos não surjam tanto ou para, quando surjam, eu consiga identificá-los
e perceber o quão mal faço a mim mesma com isso. Mas definitivamente que estou
numa fase frágil, vulnerável e de muitíssima insegurança.
Exercícios
de auto-observação
A
voz. As vozes. Aquelas vozes. Esses discursos, são estas vozes, que tantas
vezes deixamos que nos definam, porque se tornam a nossa realidade, criando
todo um ciclo de autosabotagem, criando a tal sensação de fraqueza, de falta de
valor, tu não és ninguém no mundo, não és especial, mas porque é que
queres ser especial? Porque não podes só ser normal e não ter qualquer
necessidade desse género?
Recentemente
descobri e tenho explorado o tema da relação sujeito-objeto que temos com essas
vozes interiores. Eu não sou essas vozes. Eu não sou esse discurso nem o que
ele me diz a mim. Se eu consigo ouvi-las, eu não sou elas. O mesmo se passa com
os pensamentos e emoções. O ganho de controlo sobre todo esse caos
interior é, de facto, um caminho muito plausível para essa paz interior que
ambiciono.
É
um conceito bastante complexo, abstrato, até a tocar no exotérico, algo difícil
de interiorizar, mas que faz todo o sentido, tenho explorado mais, e noto que
realmente estou a tomar consciência de todos esses discursos e todas essas
nuances que anteriormente era simplesmente "eu", percebo agora, que
não sou eu. É o meu ego, e todas as camadas de memórias, de crenças, de
medos, de vergonhas, de culpas, de bloqueios. O facto de conseguir observar
essas coisas permite-me olhar para elas de forma objetiva e se me permite
separar-me delas, simbolicamente, permite-me libertá-las. Ainda agora
tomei conhecimento disto, mas quero muito dominar esta arte.
A
tomada de consciência e o conhecimento é o primeiro passo para tudo, no fundo,
e como em tudo o resto. Conhecimento é poder. Dou agora por mim, no dia-a-dia,
quando fico demasiado envolvida e absorvida nos meus pensamentos, conseguir
literalmente sair deles e pensar lá estás tu a dizer isto a ti mesma
outra vez; chego a pôr em esquemas, em papel, e vou dissecando essa coisa,
recorrendo à lógica, sei que não é verdade, que são discursos e pensamentos que
criei, que "não são eu". O manter essa consciência, é definitivamente
o mais difícil. Existem camadas e camadas de coisas por explorar e o mais
natural é ficar absorvida por elas. Definitivamente já identifiquei uma série
de coisas que preciso libertar, que me pesam, que me fazem mal, montes de
necessidades que eu não quero que sejam necessidades, quero parar de olhar
tanto para fora, quero olhar mais para dentro, sentir-me mais suficiente,
sentir-me em paz. De certa forma, um processo de morte e renascimento,
para um novo eu, que espero que inicie em breve um ciclo um pouco mais
pacífico, porque estas fases são emocionalmente esgotantes.
Já
houve tantos "issues" que tive no passado e que os ultrapassei, que
hoje não são nada, até gozo comigo mesma, a sério que nessa altura te
preocupavas com isso?, sei que sou capaz disso, sou tão bem
resolvida em tantos assuntos, fico tão orgulhosa quando oiço nesses
tais podcasts sobre temas que são problemas reais e
aparentemente sentidos e vividos por muitas pessoas, que penso "felizmente
estou bem resolvida quanto a isso", mas tão mal resolvida quanto a
outras coisas, tão essenciais, também.
Enfim,
isto é o que é possível por hoje. Depois de muitas frases inacabadas, às quais
voltei uma e outra vez para as terminar, consegui organizar mais ou menos um
texto com uma abordagem superficial de alguns temas que tenho aprofundado.
Acho
que estou a começar a desidentificar-me com esta forma de escrita e vou
procurar outras formas de libertar, de expressar e de curar.
Logo
vejo, podes calar-te, voz que me diz quando vais voltar a escrever?
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