domingo, 4 de agosto de 2024

O Apego & O Destralhe / Desconstruir para Reconstruir / Desarrumar para Arrumar / Morte e Renascimento

 

Duas vezes por ano, a cada mudança maior de estação (verão para outono e inverno para primavera) faço uma limpeza às minhas roupas (e sim, mesmo com essa frequência, há sempre algo que pode e deve ir).

Primeiro, tiro tudo para fora do roupeiro e gavetas. Depois, limpo o pó a esses espaços. Depois, escolho o que fica e o que vai. E, depois, volto a colocar, somente o que fica, mais arrumado, melhor dobrado e categorizado, quando as roupas da estação mais acessíveis.




Este processo é material, mas simboliza o processo de reconstrução da mente e do Ego.

Para limpar as prateleiras, tenho de tirar tudo cá para fora.

Para limpar a mente, tenho de desarrumar tudo primeiro. Tenho de a desconstruir.

Para poder fazer a triagem, tenho de selecionar o que fica e o que vai.

Para organizar a mente, tenho de fazer esse mesmo processo: a que crenças e/ou emoções estou apegada? Que objetos da psique ainda são funcionais para mim? Quais são só bloqueios que me atrapalham a fluidez da vida?

Para voltar a pôr tudo no lugar, nunca ponho no mesmo sítio nem da mesma forma, há sempre uma dobra melhor feita, uma troca de sítio.

Para voltar a pôr tudo "no lugar" na mente, tenho de realmente decidir que perspetivas quero mudar relativamente a alguns aspetos da vida, quais quero manter, de que forma as quero reorganizar para me servirem melhor.

Depois, há o processo de "luto". Por aquele vestido que temos guardado só porque alguém nos ofereceu mas que na realidade nunca gostámos muito e portanto nunca usámos, mas estamos apegados à ideia do "mas foi um presente" ou "mas foi caro". E por aquele pensamento que nos define, no qual baseamos grande parte da nossa identidade, e que percebemos agora com clareza, que não nos faz sentido manter mas que é difícil, ainda assim, deixar ir.

No fundo, é isso, lutar contra o apego. Trabalhar na nossa capacidade de não nos apegarmos a nada na vida, é fundamental neste processo.

Da mesma forma como nos apegamos a bens materiais, tendemos a nos apegarmos a objetos psíquicos como as emoções e, pior ainda, as relações. A ideia de possessividade, "é meu, é minha" é pura ilusão. Nada nos pertence, nem nós a nada. Um bocadinho de apego é bom, porque também não somos nenhuma ilha, o problema é que tendemos a deixar que, também isso, domine mais do que deve dominar, e acabe por nos definir, de certa forma. De repente, não somos nada sem aquela pessoa, não conseguimos estar sozinhos e ficamos apegados a coisas tendo por base aquele pensamento inconsciente "um dia posso vir a precisar".

A regularidade do "destralhe", a manutenção do minimalismo, pôr consciência na vida das coisas

É muito importante para mim fazer este processo de destralhe com regularidade. Reavaliar os objetos que ainda me servem ou só estão a ocupar espaço, se os meus comportamentos e atitudes influenciam a minha vida de forma positiva ou se, ao invés disso, apenas criam confusão mental e ruminação. E sempre com a consciência de que nada disso nos pertence, really.

Tal como nos meus espaços físicos, em que é extremamente importante para mim praticar o desapego e fazer sessões de destralhe frequentes, assim como "arrumar" o telemóvel, as apps, desinstalar as que não uso, apagar contactos que não preciso ou quero ter, é fundamental fazer isto a um nível mental. Reavaliarmos se os nossos padrões de pensamentos ainda nos são funcionais, ou se podem ir, porque nunca foram nossos, apenas nos serviram num determinado espaço e tempo. Tudo isso tem um ciclo de morte e renascimento, de serviço e desserviço. Quanto mais clean e minimalista for, melhor. Não obstrui a energia que precisa de fluir. 

Hoje em dia, já não é desconhecido para ninguém que fazer esta limpeza ao nível material é imensamente terapêutico, seja com a roupa, seja com outros objetos ou espaços da casa. Hoje em dia, é mais do que sabido, que a forma como nos sentimos se reflete no espaço externo, e vice-versa. Arruma o teu espaço e estarás a arrumar a tua mente. Mantém a tua energia liberta e fluída.

Esta simbologia é muito simples e prática, mas muito verdadeira e aplicável na minha realidade.

Os objetos físicos carregam energia, porque são uma extensão da mente humana. Sempre que guardamos um objeto, ele guarda uma energia, guarda uma história, guarda uma consciência que foi posta nele. Pode ser positiva (por exemplo, memórias, álbuns de fotografias, diários, livros que marcaram - eu guardo muito disto, é a única componente na qual sou "acumuladora" 😅) ou negativa (guardar porque alguém ofereceu, porque comprámos por impulso, coisas partidas que achamos que um dia podemos vir a precisar, ainda que a estatística diga que muito dificilmente iremos voltar a utilizar, ao ponto que até nos esquecemos que temos).

É importante pôr consciência nisto. Até agora, eu já estava muito consciente do peso de ter coisas que não preciso (quando digo coisas, respeitando o paralelismo acima, refiro-me a coisas do mundo material assim como do mundo da psique) tem a nível energético na minha vida. Só o facto de ter a casa arrumada, organizada, e de saber que só tenho o essencial, ou tentar sempre ter só o essencial, faz maravilhas pela minha saúde mental. O que ainda não era tão óbvio para mim, é a consciência que colocamos nos objetos novos: quando compramos algo, pensar duas vezes antes de o fazer; quando nos dão algo, pensar duas vezes antes de aceitar. Não comprar por impulso nem aceitar tudo só porque sim, saber agradecer e dizer não. Pôr consciência no que entra também, e não só no que sai. 

É como estar numa loja e pensar "oh que pijama tão giro, vou levar, está tão barato". Mas é parar e pensar eu preciso mesmo? Eu só preciso de 3 pares de pijamas. Um para usar enquanto o outro estar a lavar e ter apenas 1 extra para alguma eventualidade. Estou a dar este exemplo do pijama porque me aconteceu bem recentemente. Parar e pensar "mas eu preciso mesmo? ou é só um impulso?". Em 99% das vezes acabo por não me trazer. E já nem me lembro porque é que achei aquilo giro e considerei trazer. É porque realmente não era assim tão giro. E eu já tive uma fase de consumo desenfreado e ainda bem que resolvi isso, porque era completamente disfuncional.

Eu preciso de 5 pares de lençóis? Para quê, se só tenho uma cama? Ter esta consciência deve ser algo automático quando somos deparados pelo impulso do consumismo material. E precisamos de muito menos do que aquilo que pensamos. Eu já mudei de casa várias vezes e não houve uma única em que, durante o processo de empacotamento, não me tivesse deparado com N coisas que nunca usei, não pretendo usar, nem me lembrava que tinha aquilo, nem sei o que levou a que essa coisa tivesse lá. E só dificultava o processo de mudança.

É uma coisa que vai para além da simples arrumação. Eu diria que é aplicarmos magia com objetos. Da mesma forma que, ao aplicarmos este modo de vida ao mundo da matéria, tem inúmeros benefícios por exemplo a nível de gestão financeira, a aplicação ao nível da psique tem inúmeros benefícios a nível da gestão eficaz de recursos internos. Não gastar energia com o que não acrescenta é tão básico, tão simples, e algo que nos esquecemos tantas vezes. Não vou gastar dinheiro em consumo desnecessário e não vou consumir os meus recursos internos com preocupações, bloqueios, medos, vergonhas e outras emoções de baixa energia, completamente desnecessárias e prejudiciais.




É impreterível e quase inevitável que haja coisas a morrer, para que nasçam novas. É impreterível haver caos antes da ordem.

 

In: Mulheres que Correm com os Lobos, 

Clarissa Pinkola Estes

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