Duas
vezes por ano, a cada mudança maior de estação (verão para outono e inverno
para primavera) faço uma limpeza às minhas roupas (e sim, mesmo com essa
frequência, há sempre algo que pode e deve ir).
Primeiro,
tiro tudo para fora do roupeiro e gavetas. Depois, limpo o pó a esses espaços.
Depois, escolho o que fica e o que vai. E, depois, volto a colocar, somente o
que fica, mais arrumado, melhor dobrado e categorizado, quando as roupas da
estação mais acessíveis.
Este
processo é material, mas simboliza o processo de reconstrução da mente e
do Ego.
Para
limpar as prateleiras, tenho de tirar tudo cá para fora.
Para
limpar a mente, tenho de desarrumar tudo primeiro. Tenho de a desconstruir.
Para
poder fazer a triagem, tenho de selecionar o que fica e o que vai.
Para
organizar a mente, tenho de fazer esse mesmo processo: a que crenças e/ou
emoções estou apegada? Que objetos da psique ainda são funcionais para mim?
Quais são só bloqueios que me atrapalham a fluidez da vida?
Para
voltar a pôr tudo no lugar, nunca ponho no mesmo sítio nem da mesma forma, há
sempre uma dobra melhor feita, uma troca de sítio.
Para
voltar a pôr tudo "no lugar" na mente, tenho de realmente decidir que
perspetivas quero mudar relativamente a alguns aspetos da vida, quais quero
manter, de que forma as quero reorganizar para me servirem melhor.
Depois,
há o processo de "luto". Por aquele vestido que temos guardado só
porque alguém nos ofereceu mas que na realidade nunca gostámos muito e portanto
nunca usámos, mas estamos apegados à ideia do "mas foi um presente"
ou "mas foi caro". E por aquele pensamento que nos define, no qual
baseamos grande parte da nossa identidade, e que percebemos agora com clareza,
que não nos faz sentido manter mas que é difícil, ainda assim, deixar ir.
No
fundo, é isso, lutar contra o apego. Trabalhar na nossa capacidade de
não nos apegarmos a nada na vida, é fundamental neste processo.
Da
mesma forma como nos apegamos a bens materiais, tendemos a nos apegarmos a
objetos psíquicos como as emoções e, pior ainda, as relações. A ideia de
possessividade, "é meu, é minha" é pura ilusão. Nada nos pertence,
nem nós a nada. Um bocadinho de apego é bom, porque também não somos nenhuma
ilha, o problema é que tendemos a deixar que, também isso, domine mais do que
deve dominar, e acabe por nos definir, de certa forma. De repente, não somos nada sem aquela pessoa, não
conseguimos estar sozinhos e ficamos apegados a coisas tendo por base aquele
pensamento inconsciente "um dia posso vir a precisar".
A regularidade do "destralhe", a manutenção
do minimalismo, pôr consciência na vida das coisas
É
muito importante para mim fazer este processo de destralhe com regularidade.
Reavaliar os objetos que ainda me servem ou só estão a ocupar espaço, se os
meus comportamentos e atitudes influenciam a minha vida de forma positiva ou
se, ao invés disso, apenas criam confusão mental e ruminação. E sempre com a
consciência de que nada disso nos pertence, really.
Tal
como nos meus espaços físicos, em que é extremamente importante para mim
praticar o desapego e fazer sessões de destralhe frequentes, assim como
"arrumar" o telemóvel, as apps, desinstalar as que não uso, apagar
contactos que não preciso ou quero ter, é fundamental fazer isto a um nível
mental. Reavaliarmos se os nossos padrões de pensamentos ainda nos são
funcionais, ou se podem ir, porque nunca foram nossos, apenas nos serviram num
determinado espaço e tempo. Tudo isso tem um ciclo de morte e renascimento, de
serviço e desserviço. Quanto mais clean e minimalista for, melhor. Não obstrui
a energia que precisa de fluir.
Hoje
em dia, já não é desconhecido para ninguém que fazer esta limpeza ao nível
material é imensamente terapêutico, seja com a roupa, seja com outros objetos
ou espaços da casa. Hoje em dia, é mais do que sabido, que a forma como nos
sentimos se reflete no espaço externo, e vice-versa. Arruma o teu
espaço e estarás a arrumar a tua mente. Mantém a tua energia liberta e fluída.
Esta
simbologia é muito simples e prática, mas muito verdadeira e aplicável na minha
realidade.
Os
objetos físicos carregam energia, porque são uma extensão da mente humana. Sempre que guardamos um objeto, ele guarda uma
energia, guarda uma história, guarda uma consciência que foi posta nele. Pode
ser positiva (por exemplo, memórias, álbuns de fotografias,
diários, livros que marcaram - eu guardo muito disto, é a única componente na
qual sou "acumuladora" 😅) ou negativa (guardar porque alguém
ofereceu, porque comprámos por impulso, coisas partidas que achamos que um dia
podemos vir a precisar, ainda que a estatística diga que muito dificilmente
iremos voltar a utilizar, ao ponto que até nos esquecemos que temos).
É
importante pôr consciência nisto. Até
agora, eu já estava muito consciente do peso de ter coisas que não preciso
(quando digo coisas, respeitando o paralelismo acima, refiro-me a coisas do
mundo material assim como do mundo da psique) tem a nível energético na minha
vida. Só o facto de ter a casa arrumada, organizada, e de saber que só tenho o
essencial, ou tentar sempre ter só o essencial, faz maravilhas pela
minha saúde mental. O que ainda não era tão óbvio para mim, é a
consciência que colocamos nos objetos novos: quando compramos algo, pensar duas
vezes antes de o fazer; quando nos dão algo, pensar duas vezes antes de
aceitar. Não comprar por impulso nem aceitar tudo só porque sim, saber
agradecer e dizer não. Pôr consciência no que entra também, e não só no
que sai.
É
como estar numa loja e pensar "oh que pijama tão giro, vou levar, está tão
barato". Mas é parar e pensar eu preciso mesmo? Eu só preciso de 3 pares
de pijamas. Um para usar enquanto o outro estar a lavar e ter apenas 1 extra
para alguma eventualidade. Estou a dar este exemplo do pijama porque me
aconteceu bem recentemente. Parar e pensar "mas eu preciso mesmo? ou é só
um impulso?". Em 99% das vezes acabo por não me trazer. E já nem me lembro
porque é que achei aquilo giro e considerei trazer. É porque realmente não era
assim tão giro. E eu já tive uma fase de consumo desenfreado e ainda bem que resolvi isso, porque era
completamente disfuncional.
Eu
preciso de 5 pares de lençóis? Para quê, se só tenho uma cama? Ter esta
consciência deve ser algo automático quando somos deparados pelo impulso do
consumismo material. E precisamos de muito menos do que aquilo que pensamos. Eu
já mudei de casa várias vezes e não houve uma única em que, durante o processo
de empacotamento, não me tivesse deparado com N coisas que nunca usei, não
pretendo usar, nem me lembrava que tinha aquilo, nem sei o que levou a que essa
coisa tivesse lá. E só dificultava o processo de mudança.
É
uma coisa que vai para além da simples arrumação. Eu diria que é aplicarmos
magia com objetos. Da mesma forma que, ao aplicarmos este modo de vida ao mundo
da matéria, tem inúmeros benefícios por exemplo a nível de gestão financeira, a
aplicação ao nível da psique tem inúmeros benefícios a nível da gestão eficaz
de recursos internos. Não gastar energia com o que não acrescenta é tão
básico, tão simples, e algo que nos esquecemos tantas vezes. Não vou
gastar dinheiro em consumo desnecessário e não vou consumir os meus recursos
internos com preocupações, bloqueios, medos, vergonhas e outras emoções de
baixa energia, completamente desnecessárias e prejudiciais.
É impreterível e quase inevitável que haja coisas a
morrer, para que nasçam novas. É impreterível haver caos antes da ordem.
In: Mulheres que Correm com os Lobos,
Clarissa Pinkola Estes
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