A ideia de aceitação é um dos exemplos a que eu gosto
de chamar de complexidade simples. Conceptualmente, é óbvio: simplesmente aceitar, tudo, aceitar a vida
como ela é, como ela acontece, e aceitar "o universo como to deram os
deuses".
O tipo de aceitação de que falo hoje é nesta
perspetiva: entregar-nos aos papéis do Ego, ao enredo das nossas vidas,
aceitar que somos fantoches da nossa própria consciência. Aceitar que
todos estes questionamentos, no fundo, são pointless, quando nos
confrontamos com a efemeridade e finitude da vida.
Rendição total aos sentimentos que não são mais que a verbalização das emoções, ou a
justificação delas, porque temos esta necessidade de justificar racionalmente
(pelo menos, eu tenho, e gostava de ser menos assim) tudo o que sentimos ou que
nos acontece. Envolver-nos e permitir-nos sentir isso mesmo, permitir-nos
viver as várias personagens e arquétipos que habitam dentro do universo que
somos. Viver os papéis e aceitar que esses são os papéis que nos são
exigidos, ou que vestimos voluntariamente.
Quando olho para esta afirmação através das lentes dos
meus "issues" atuais, dos temas que estou a resolver agora,
imediatamente o meu pensamento fugiu para algo como: sim, temos de
aceitar o que é negativo. Logo que li este poema, observei-me a ter
este pensamento e quase de imediato um pensamento de resposta mas o meu
problema é aceitar as coisas boas, ou as coisas que são potencialmente
positivas e construtivas para o meu futuro, mas têm muita toxicidade por detrás.
Porque essa é a realidade, o tal "universo como me deram os deuses",
que não é necessariamente verdadeiro. Porque uma coisa, é eu ser
fantoche de mim mesma, tendo consciência disso, outra coisa, é ser fantoche de
histórias, decisões, crenças e atitudes totalmente alheias e totalmente
impostas a mim. Depois, aqui, apercebo-me de que estou a entrar no
papel da vítima, e recuso-me a isso. Se há outras matérias e outros mundos em
que as coisas podiam ser diferentes - haja. Aceita. Sim, pode haver realidades
paralelas, who knows? I don't. Tenho de viver a que me foi
apresentada e moldá-la o melhor que consigo. Tanto sendo coisas negativas, como
positivas, ou positivas mascaradas de negativas, ou vice-versa, ou as duas
coisas ao mesmo tempo. Aceitar que essa complexidade existe e que é
simples reconhecê-la e deixá-la ir.
No fundo, e depois de ruminar um pouco mais a fundo
neste poema, que numas meras 6 linhas comporta uma sabedoria imensa, eu concluí
que o que estou a ter dificuldade em aceitar neste momento são presentes
envenenados, mas que se eu conseguir fazer uma purga desse veneno, podem ser
verdadeiros potenciadores para a vida que eu realmente quero ter. Para subir um
degrau na minha jornada de busca por realização plena.
Sim, eu estou a ter problemas em aceitar as
coisas potencialmente boas. Coisas que qualquer pessoa diria
(e diz): se fosse eu, nem pensava duas vezes. Só que eu penso.
Duas, vinte, duzendas, duas mil. E talvez o problema seja mesmo esse, o
de overthinking. O dissecar. O querer chegar aos porquês, à origem
de tudo. O ficar obcecada com as coisas.
Não querendo entrar em pormenores, porque não quero, o
que despoletou tudo isto foi um cenário muito específico na minha vida em que
eu tive a realização de um mundo de possibilidades desejadas que não consigo
aplicar na prática, e isso foi (e é) overwhelming.
Misturado com problemas de falta de merecimento e muito
do meu Ego, criei aqui toda uma trama na minha cabeça que tenho estado a
tentar:
a) perceber com profundidade (para além do óbvio,
superficial e que fica só a um nível mental e de pensamento lógico, o tal overthinking e
o dissecar), compreendendo que tenho um camadão de medos das mais variadas
formas e feitios
b) lutar contra isso
c) controlar isso
d) forçar-me a pensar ou a sentir de outra forma,
porque ainda estou presa à alínea a) em que não faz sentido sentir-me assim,
num plano pragmático
d) procurar validação, opiniões externos e all
over the place
e) viver no conflito interno entre o que me dizem, o
que penso racionalmente sobre o tema, e como me sinto realmente em relação e
ele
d) ter rasgos de lucidez em que me sinto idiota por
estar a fazer as coisas assim, e recuar novamente perante os medos que a alínea
a) trouxe a descoberto
E agora cada vez mais percebo, que estou a
fazer tudo mal. Ao fazer esses passos, estou a fazer mal o processo. Porque
se eu olhar para o "tema" como uma coisa, um objeto, uma entidade
separada de mim, se eu a conseguir visualizar como algo fora de mim (e o
curioso é que se faço esse exercício, o objeto que me ocorre intuitivamente é
tipo um novelo de lã cinzenta, ou um molho grande de cotão, o que só por si já
diz muito), eu tenho, durante anos e anos, lutado contra isso. Eu finjo
que não existo, ou contorno, ou fujo dele, ou luto contra o que ele me faz
sentir (não é mesmo nada bonito o que ele me faz sentir, o que é um
paradoxo - uma coisa superficialmente boa que me provoca um camadão de emoções
negativas). E agora estou a pôr consciência nele, estou a aceitar que
ele está lá e a tentar não o julgar. Há anos e anos que lido com este
tema em particular, que ele me é muito difícil, e estou mesmo muito numa de
"ou vai ou racha, mas tem de ser agora". Não dá para continuar a
camuflar.
Agora começo a perceber que tenho de me render
e ver o que acontece a partir dessa rendição.
A beleza da rendição é que, uma vez que sabemos que
somos vários atores no mesmo filme que é a nossa vida, podemos a qualquer
momento mudar de papel.
O facto de eu conseguir fazer esta afirmação tem-me
ajudado a enraizá-la. O que afirmamos torna-se na nossa realidade.
Quem me disse que amanhã não posso ser outra coisa
qualquer? Eu posso livrar-me das minhas próprias limitações. Eu quero, muito,
não ser mais estas minhas próprias limitações. Eu não quero ser uma pessoa que
continua a camuflar um tema que a faz sofrer. Quero mesmo muito mudar este papel.
Quero mesmo muito conseguir reprogramar-me.
Na verdade, eu já pratico isso (de mudar
várias vezes de "papel"), de certa forma, pelos meus constantes
ciclos de morte e renascimento. Mas não o conseguia ver com esta clareza que
tenho conquistado cada vez mais.
Estou em puro processo de rendição, libertação e
responsabilização pelo(s) papel(is) que realmente quero encarnar daqui para a
frente e que me permitam acalmar este desafio emocional intenso que estou a
atravessar. Mas, ainda está tudo a um nível muito abstrato e concetual,
e ainda não me sinto forte o suficiente para conseguir aplicá-lo na
prática.
Uma das minhas intenções com este processo, é conseguir dar esse
passo na prática.
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