domingo, 4 de agosto de 2024

Se há outras matérias e outros mundos - Haja.

 

A ideia de aceitação é um dos exemplos a que eu gosto de chamar de complexidade simples. Conceptualmente, é óbvio: simplesmente aceitar, tudo, aceitar a vida como ela é, como ela acontece, e aceitar "o universo como to deram os deuses".

 

O tipo de aceitação de que falo hoje é nesta perspetiva: entregar-nos aos papéis do Ego, ao enredo das nossas vidas, aceitar que somos fantoches da nossa própria consciência. Aceitar que todos estes questionamentos, no fundo, são pointless, quando nos confrontamos com a efemeridade e finitude da vida.

 

Rendição total aos sentimentos que não são mais que a verbalização das emoções, ou a justificação delas, porque temos esta necessidade de justificar racionalmente (pelo menos, eu tenho, e gostava de ser menos assim) tudo o que sentimos ou que nos acontece. Envolver-nos e permitir-nos sentir isso mesmo, permitir-nos viver as várias personagens e arquétipos que habitam dentro do universo que somos. Viver os papéis e aceitar que esses são os papéis que nos são exigidos, ou que vestimos voluntariamente.

 

Quando olho para esta afirmação através das lentes dos meus "issues" atuais, dos temas que estou a resolver agora, imediatamente o meu pensamento fugiu para algo como: sim, temos de aceitar o que é negativo. Logo que li este poema, observei-me a ter este pensamento e quase de imediato um pensamento de resposta mas o meu problema é aceitar as coisas boas, ou as coisas que são potencialmente positivas e construtivas para o meu futuro, mas têm muita toxicidade por detrás. Porque essa é a realidade, o tal "universo como me deram os deuses", que não é necessariamente verdadeiro. Porque uma coisa, é eu ser fantoche de mim mesma, tendo consciência disso, outra coisa, é ser fantoche de histórias, decisões, crenças e atitudes totalmente alheias e totalmente impostas a mim. Depois, aqui, apercebo-me de que estou a entrar no papel da vítima, e recuso-me a isso. Se há outras matérias e outros mundos em que as coisas podiam ser diferentes - haja. Aceita. Sim, pode haver realidades paralelas, who knows? I don't. Tenho de viver a que me foi apresentada e moldá-la o melhor que consigo. Tanto sendo coisas negativas, como positivas, ou positivas mascaradas de negativas, ou vice-versa, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Aceitar que essa complexidade existe e que é simples reconhecê-la e deixá-la ir.

 

No fundo, e depois de ruminar um pouco mais a fundo neste poema, que numas meras 6 linhas comporta uma sabedoria imensa, eu concluí que o que estou a ter dificuldade em aceitar neste momento são presentes envenenados, mas que se eu conseguir fazer uma purga desse veneno, podem ser verdadeiros potenciadores para a vida que eu realmente quero ter. Para subir um degrau na minha jornada de busca por realização plena.

 

Sim, eu estou a ter problemas em aceitar as coisas potencialmente boas. Coisas que qualquer pessoa diria (e diz): se fosse eu, nem pensava duas vezes. Só que eu penso. Duas, vinte, duzendas, duas mil. E talvez o problema seja mesmo esse, o de overthinking. O dissecar. O querer chegar aos porquês, à origem de tudo. O ficar obcecada com as coisas.

 

Não querendo entrar em pormenores, porque não quero, o que despoletou tudo isto foi um cenário muito específico na minha vida em que eu tive a realização de um mundo de possibilidades desejadas que não consigo aplicar na prática, e isso foi (e é) overwhelming

 

Misturado com problemas de falta de merecimento e muito do meu Ego, criei aqui toda uma trama na minha cabeça que tenho estado a tentar:

 

a) perceber com profundidade (para além do óbvio, superficial e que fica só a um nível mental e de pensamento lógico, o tal overthinking e o dissecar), compreendendo que tenho um camadão de medos das mais variadas formas e feitios

 

b) lutar contra isso

 

c) controlar isso

 

d) forçar-me a pensar ou a sentir de outra forma, porque ainda estou presa à alínea a) em que não faz sentido sentir-me assim, num plano pragmático

 

d) procurar validação, opiniões externos e all over the place

 

e) viver no conflito interno entre o que me dizem, o que penso racionalmente sobre o tema, e como me sinto realmente em relação e ele

 

d) ter rasgos de lucidez em que me sinto idiota por estar a fazer as coisas assim, e recuar novamente perante os medos que a alínea a) trouxe a descoberto

 

E agora cada vez mais percebo, que estou a fazer tudo mal. Ao fazer esses passos, estou a fazer mal o processo. Porque se eu olhar para o "tema" como uma coisa, um objeto, uma entidade separada de mim, se eu a conseguir visualizar como algo fora de mim (e o curioso é que se faço esse exercício, o objeto que me ocorre intuitivamente é tipo um novelo de lã cinzenta, ou um molho grande de cotão, o que só por si já diz muito), eu tenho, durante anos e anos, lutado contra isso. Eu finjo que não existo, ou contorno, ou fujo dele, ou luto contra o que ele me faz sentir (não é mesmo nada bonito o que ele me faz sentir, o que é um paradoxo - uma coisa superficialmente boa que me provoca um camadão de emoções negativas). E agora estou a pôr consciência nele, estou a aceitar que ele está lá e a tentar não o julgar. Há anos e anos que lido com este tema em particular, que ele me é muito difícil, e estou mesmo muito numa de "ou vai ou racha, mas tem de ser agora". Não dá para continuar a camuflar.

 

 

Agora começo a perceber que tenho de me render e ver o que acontece a partir dessa rendição. 

 

A beleza da rendição é que, uma vez que sabemos que somos vários atores no mesmo filme que é a nossa vida, podemos a qualquer momento mudar de papel.

 

O facto de eu conseguir fazer esta afirmação tem-me ajudado a enraizá-la. O que afirmamos torna-se na nossa realidade.

 

Quem me disse que amanhã não posso ser outra coisa qualquer? Eu posso livrar-me das minhas próprias limitações. Eu quero, muito, não ser mais estas minhas próprias limitações. Eu não quero ser uma pessoa que continua a camuflar um tema que a faz sofrer. Quero mesmo muito mudar este papel. Quero mesmo muito conseguir reprogramar-me.

 

Na verdade, eu já pratico isso (de mudar várias vezes de "papel"), de certa forma, pelos meus constantes ciclos de morte e renascimento. Mas não o conseguia ver com esta clareza que tenho conquistado cada vez mais.

 

Estou em puro processo de rendição, libertação e responsabilização pelo(s) papel(is) que realmente quero encarnar daqui para a frente e que me permitam acalmar este desafio emocional intenso que estou a atravessar. Mas, ainda está tudo a um nível muito abstrato e concetual, e ainda não me sinto forte o suficiente para conseguir aplicá-lo na prática.

 

 Uma das minhas intenções com este processo, é conseguir dar esse passo na prática.

 

 

 

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