domingo, 8 de setembro de 2024

Culpa Vs. Responsabilidade // Raiva // Limites

"Quando alguém pode dizer, verdadeiramente, acerca de seus estados interiores e de seus atos: 'assim sou, e assim atuo', então terá alcançado essa unidade consigo mesmo, ainda que dolorosamente; pode assumir a responsabilidade de seus atos contra toda resistência. Reconheçamos que nada é tão difícil quanto suportar-se a si mesmo. ("Buscavas a carga mais pesada e te encontraste", Nietzsche.) No entanto, até esta realização dificílima será possível, se conseguirmos distinguir os conteúdos inconscientes de nós mesmos. O introvertido descobre tais conteúdos em si mesmo, enquanto o extrovertido os projeta em objetos humanos. Em ambos os casos, os conteúdos inconscientes determinam ilusões perturbadoras que nos falsificam, assim como às nossas relações com os outros, tornando ambas irreais. Estas são as razões pelas quais a individuação é indispensável para certas pessoas; ela não significa uma simples necessidade terapêutica, mas representa um alto ideal, uma ideia do que podemos fazer. (...) A ideia básica deste ideal é que a ação correta provém do pensamento correto, e que não há possibilidade de cura ou de melhoria no mundo que não comece pelo próprio indivíduo. Para dizer as coisas drasticamente: o homem que vive num asilo de mendigos ou o parasita nunca resolverão a questão social." - in Eu e o Inconsciente, Jung

Distinção entre culpa e responsabilidade

Uma das maiores lições que retirei no último ano e meio, e que queria aqui partilhar, é a distinção entre culpa e responsabilidade (que eu não tinha a mínima noção do que era). Foi uma distinção importante que aprendi a fazer. Há certas distinções que vamos fazendo na vida, que rodam chaves internas que a mudam por completo (hopefully, for the better!)



Foi o começar a perceber que tinha de sair do paradigma da vítima para passar a operar no paradigma da auto-responsabilidade. E uma vez que fiz essa transição, nem queria acreditar, honestly, como vivi tantos anos no paradigma da vítima, sem sequer me aperceber disso nem ter sequer a mais remota ideia do que era isto.

Essencialmente, a culpa é algo que nos estagna, que nos faz ficar no mesmo sítio, de termos culpa de algo que não temos ou de atribuirmos culpa aos outros (e por isso sermos vítimas dos outros e das circunstâncias), enquanto a responsabilidade é algo que nos impele à ação, acaba até por ser uma forma de liberdade interna porque quando temos responsabilidade, temos liberdade, temos escolha sobre a nossa própria vida.

No fundo, tudo se resume a esta questão (mesmo face às circunstâncias mais negativas, ou que percecionamos como mais negativas, e.g., padrões relacionais nos quais sentimos que somos a vítima):

"De que forma EU estou a contribuir para isto?"

(e consequentemente, de que forma eu posso mudar isto na parte que a mim me toca)

Isto não é, lá está, culpabilizar-me, não é dizer que tenho culpa da situação, mas sim, entender que em todas as relações (todas!!! se estivermos bem atentos, encontramos isto em todas as relações, sejam amorosas, parentais, familiares, de amizade e até de trabalho) existe um efeito espelho, um efeito de projeção de coisas que temos internamente e que estamos inconscientes delas e que muitas vezes só as conseguimos ver precisamente neste "espelho relacional". É pegar em qualquer situação ou relação (ou aspetos específicos dessa relação) que nos estão a incomodar e aplicar esta questão.

Há coisas que não são nossa culpa, mas são nossa responsabilidade mudar. Tudo começa, uma vez mais, com decisões e distinções internas. Por exemplo, eu não tenho culpa se me "tratarem mal" mas tenho responsabilidade de o permitir ou não.

O meu caso específico / Relação com a Raiva


Uma coisa na minha vida particular que tenho vindo, ao longo dos meses, a reparar, observar e refletir, é que a minha relação interna com a raiva impacta em muito a forma como a raiva nos outros me afeta. Eu simplesmente não suporto raiva nos outros. E quando digo raiva, não é que a pessoa esteja ativamente zangada ou a gritar comigo; não é essa imagem padronizada que temos da raiva. Não precisa chegar a tanto porque é realmente algo extremamente subtil e com muita nuance. Reparos excessivos, críticas não construtivas ou até que sejam construtivas mas que sejam ditas com um tom de raiva, enraivecem-me a mim. E o que tenho vindo a descobrir - embora tenha tido esta realização mas queira aprofundar mais o tema daqui para a frente - é que eu tenho uma relação extremamente negativa com a emoção raiva. Percebi que inconscientemente associo a raiva a tudo o que é negativo, nada de positivo ou construtivo, quando na realidade, a raiva pode ser extremamente útil e construtiva se for usada da forma correta; essa forma, ainda estou eu em processo de encontrá-a; de cada vez que sinto raiva, tento conscientemente evitar oprimi-la como sempre fiz, pois esse é um velho padrão que já não me serve, mas tentar encontrar uma forma de a processar e de perceber  o que ela me está a comunicar (normalmente, que os nossos limites foram ultrapassados) e como a posso usar de forma construtiva para a minha vida. Ou seja, eu sempre tive este padrão de reprimir e oprimir a raiva dentro de mim e acabo por ter vários espelhos disto mesmo, nas minhas relações. E este espelho continua sempre a aparecer até que eu olhe com a devida atenção para esta questão.

E de que forma isto se relaciona com a culpa e a responsabilidade? Permissividade e limites

Em Julho de 2022, li o livro "Aprenda a dizer Não", de Nedra Tawwab, e foi a primeira vez na minha vida que tive contacto com este conceito de limites. Por incrível que pareça, com 32 anos eu não fazia ideia do que era isto. Tinha - e ainda tenho - uma enorme dificuldade em dizer não e em enfrentar conflitos em vez de os evitar. Nesta altura, tive um glimpse de tudo o que aqui escrevo, mas acabei por não aprofundar. Mais tarde, o que tinha lido neste livro foi fazendo cada vez mais sentido. Porque eu percebi que permitia que me tratassem de qualquer forma, permitia que me falassem de qualquer forma, não tinha standards absolutamente nenhuns em relação à forma como deixava que fossem comigo nas relações. Tinha uma imensa falta de limites e uma enorme permissividade que chegou a um ponto da minha vida e deixou de ser um mecanismo de defesa para passar a ser destrutivo.


O ano passado, consegui libertar-me de uma relação familiar abusiva e tóxica, porque finalmente rodei aquela chave: "de que forma eu estou a contribuir para isto?"

A forma como eu estava a contribuir para aquilo - daí, lá está, a minha responsabilidade naquela dinâmica tóxica - era permitir que continuasse a acontecer.

Eu não tinha culpa da forma como essa pessoa emocionalmente abusava de mim (e nada disto desculpa a atitude) mas tinha a responsabilidade, à qual, até àquele ponto, me tinha negado, de mudar isso

Só eu podia mudar isso. E, por isso, mudei. Não foi de um dia para o outro, levou tempo, foi difícil, foi uma trabalheira do caraças, mas tudo começou com esta decisão interna: de que forma eu posso usar a minha auto-responsabilidade para mudar a situação? De que forma eu posso alterar as circunstâncias que são destrutivas para mim? Primeiro, era deixar de acreditar (sim, eu acreditava nisso, tinha mesmo essa crença enraízada) de que eu merecia isso. Depois de realizar que não, eu não merecia aquilo, o resto foi só ação.

A distinção mais importante que fiz nos últimos tempos...

... foi, portanto, precisamente esta. Só o facto de eu ter interiorizado esta noção de auto-responsabilidade pela minha vida, independentemente de tudo e qualquer coisa que se passou "lá para trás" que se possa imaginar e independentemente da forma de atuar dos outros, isso tinha um limite que tinha de ser imposto por mim. Ao dia de hoje, olho para o último ano e acabo por ver que me dediquei bastante a aprender e afinar esta arte de estabelecer limites, de respeitar os meus próprios limites e não permitir que me tratem de qualquer forma porque não mereço. A minha responsabilidade está toda aí, apesar de não ter a "culpa", e essa distinção, reforço porque nunca é demais, é ESSENCIAL neste processo.

Isto aumentou muitíssimo o meu senso de agência, de comando sobre a minha vida e emoções, e diria até, o meu nível de felicidade basal. Percebi que eu posso decidir como permito que me tratem e, ainda mais, como me sentir ou como reagir perante determinado estímulo. (por exemplo, a questão de eu ter apagado tudo o que tinha aqui no blog, foi uma reação de urgência, de me sentir insegura, etc., mas ao passo que antigamente eu diria que a culpa teria sido da situação em que me tinham colocado, o meu discurso passou a ser: esta circunstância aconteceu, não tive qualquer controlo sobre ela, e ESCOLHI agir assim, e agora ESCOLHI agir de outra forma).


Desta forma, sinto-me cada vez menos dependente de fatores nem pessoas externas para os meus estados internos (é dificílimo conseguir isto e confesso que na maioria das situações, se algo é triggering para mim, ainda não consigo ter este domínio emocional; estou a trabalhar nisso). Se me sinto feliz e no êxtase, excelente! Vou aproveitar enquanto dura. Se me sinto nos confins da ângústia existencial, também não é culpa de ninguém, e escolho ficar por lá e escolho aceitar esses estados e escolho saber que fazem parte da "whole picture". Mesmo que alguma dessas emoções "menos positivas" tenham sido "provocadas" por algo ou alguém, não coloco a culpa nesse algo ou alguém, pois em última análise, naquele nanosegundo que temos (e temos) antes de podermos reagir, é feita uma escolha. Também percebi que isto tem a ver com os tais limites (aos quais sempre fui péssima e continuo a ser, porque me é difícil dizer "não" a alguém; mesmo muito!). Posso ter o limite de não querer que alguém se comporte de determinada forma para comigo e é legítimo estabelecer esse limite. Mas a pessoa tem liberdade de agir e eu tenho liberdade de me afastar e de não a culpar por me fazer X ou Y. Então a escolha é essa, e o sentido de responsabilidade é esse: a escolha de reagir, mesmo que seja só internamente (na maioria dos casos, só internamente!) é minha.

Um extra que ouvi no outro dia e me fez sentido neste contexto 


No outro dia, ouvia uma influencer em stories no Instagram a dizer que se tinha afastado das redes sociais porque sentia que as mesmas nos fazem comparar-nos com os outros e isso estava a fazê-la sentir-se mal. Esta afirmação dela mexeu comigo, porque em tempos também pensei assim. Também me sentia inferior porque toda a gente tinha uma vida ótima no Instagram! Especialmente quando era recém-mãe e estávamos em confinamento e eu passava A VIDA no instagram e ficava a sentir que era péssima mãe porque não fazia tudo como as mães do Instagram. Hoje em dia não penso nada assim. Não, não são as redes sociais que te fazem sentir mal. Sentires-te mal com isso é uma escolha TUA! Quem se sentia inferior? eu? porquê? por vários motivos, de condicionalismos, de educação, de falta de auto-estima, whatever! Quem tinha de resolver? Eu! Vou culpar "as redes sociais" por uma emoção minha?! Em que é que isso é construtivo? Vou mudar as redes sociais? Não! Então resta-me mudar-me a mim e a minha posição relativa a isso.

Em resumo



Estes paradigmas de: a) achar que algo ou alguém me faz sentir X ou Y e por isso eu era vítima disso; b) não ter quaisquer limites e ser extremamente permissiva; c) não ter standards em relação à forma como me tratavam e se me sentia desrespeitada, ficava amuada, empurrava a coisa para debaixo do tapete e evitava (ok esta última parte ainda faço :P ) ao máximo o conflito... foram os paradigmas em que operei durante 34 anos da minha vida, até finalmente perceber que não é nada assim, que não tem de ser assim, e que eu tenho auto-responsabilidade e escolha para mudar essas circunstâncias. E que libertador que é! Sinto-me muito mais empoderada, mais firme, assertiva, com muito mais clareza interna sobre o que é ou não é tolerável para mim - isto tudo, enquanto, claro, ainda tenho de melhorar muita coisa (por exemplo o ser mais clara nos limites e o aprender a dizer não).

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Utopia para Realistas

Acabei ontem de ler um livro, Utopia para Realistas, de Rutger Bregman, onde essencialmente ele propõe que o futuro da humanidade, falando em termos socio-económicos, caminhará para um rendimento básico universal sem condições (a toda a gente, independentemente do estrato social ou ocupação ou qualquer outro fator), semanas de trabalho de 15 horas (porque a produtividade maior será resultado do trabalho de robots, máquinas e IA, aquilo a que ele chama de era de nova escravidão das máquinas perante o Homem, em que a máquina trabalha para as pessoas terem mais tempo livre), e open boarders, ou seja, a eliminação de países e continentes, havendo uma globalização total, no sentido mais lato da palavra.


(imagem retirada daqui)

O que parece hoje uma utopia, ele advoga, não é assim tão impensável ou inconcebível no longo prazo, uma vez que - e ele começa precisamente por construir o seu caso à volta disto - a vida que a maioria de nós vive hoje é uma utopia para os nossos antepassados, não tão longíquos assim (e sim, sei que falo do alto do meu previlégio aqui).

Este post não é para resumir o livro (embora recomende bastante a sua leitura), nem se concordo ou não com o que ele propõe (até concordo mas não acho muito exequível em bastantes aspectos, daí ser utópico), mas para me focar num ponto específico, que achei muito interessante.

Já vivemos numa Utopia (ou, pelo menos, muitos de nós)

Ele começa por descrever que, nos tempos medievais, havia uma fantasia coletiva, que se chamava Land of Plenty, algo como a Terra da Abundância, onde, contrariamente às condições de vida paupérrimas em que vivia 99,9% da população, fantasiavam com a vida que temos atualmente (repito, falo a partir do meu lugar de previlégio, disclaimer): alojamento seguro, comida disponível 24/7, acesso a água e eletricidade, acesso a emprego, a cuidados de saúde, toda uma míriade de coisas que consideramos comuns e quase garantidas, como água potável, eletricidade, cuidados médicos e alimentos variados, que eram luxos inconcebíveis na Idade Média. Já para não falar na tecnologia e conveniências afins que temos hoje em dia (por exemplo, alguma vez alguma dona de casa nos anos 50 sonhava com um aspirador robot ou um robot de cozinha? e, no entanto, isso para mim é totalmente um dado adquirido).

Ou seja, em comparação com as condições de vida durante a Idade Média, o mundo moderno oferece um nível de riqueza e bem-estar que seria inimaginável para as pessoas daquela época. Inclusivamente, ao falar com um amigo sobre este livro, ele afirmou "hoje em dia qualquer pessoa de classe até média-baixa tem uma maior nível de vida do que os reis de há não muito tempo atrás".

E isto realmente fez-me ficar a refletir em algo que é tão simples, que é tão básico, que é tão óbvio e que nos passa tanto ao lado: nós já vivemos numa utopia. Eu, pelo menos, considero que em muitos aspetos vivo numa utopia. Eu vivo a vida que quero a 90% e sinto que ainda trabalho os outros 10% para aperfeiçoar, mas que não estou muito longe do que ambiciono (também é bastante simples o que ambiciono, portanto não é difícil). E o facto de poder estar aqui a ler, pensar e escrever sobre estes temas, sabendo que tenho subsistência assegurada, que tenho emprego, que tenho rede de segurança, que daqui a bocado vou almoçar e já tenho a comida garantida, que depois vou para casa no conforto do meu carro sem preocupações, etc.) já é um enorme previlégio. Inclusivamente, depois do tremor de terra de há dois dias, que não foi destrutivo mas chegou para assustar, tive o pensamento de que felizmente, se a coisa fosse destrutiva mas eu sobrevivesse mas ficasse sem casa, não ficaria na rua. Tinha alternativas. E só o facto de ter alternativas, de ter escolhas, opções - sim, no plural - já é uma enorme riqueza que na maior parte do tempo dou como garantida, mas que acho importante relembrar-me com frequência. 

Aliás, na comunidade FIRE, onde muito se fala de (e eu não podia concordar mais com esta ideia) a verdadeira riqueza é a liberdade de tempo e de escolhas, isto fica ainda mais claro. Eu quero atingir o FIRE, eu quero ser ainda mais livre de tempo e de opções, mas não posso ignorar toda a abundância de escolhas e opções que já posso fazer HOJE. É um pouco aquele conceito de ser HOJE o que já queremos ser amanhã.


Lutar por algo melhor a partir de um lugar de suficiência, não de escassez

Isto não significa que nos devemos resignar às circunstâncias e nunca lutar por algo melhor, quer seja pela nossa vida individual, quer seja pela coletiva (porque desigualdades e pobreza sempre existiram e sempre existirão, embora este autor proponha que estas 3 medidas iriam erradicar tudo isso, mas daí ser um bocado utópico). Mas essa ida em busca de algo ainda melhor e até utópico não deve partir de um lugar de escassez, de "não tenho ainda o suficiente"; muito pelo contrário, deve já partir de um lugar de suficiência e gratidão

O parar para apreciar o que já tenho, é um exercício incrível e que já me faz sentir incrivelmente abundante. No sentido em que, se não conseguisse "evoluir" mais nada a partir de hoje, seria triste, ficaria com a sensação de algo por concretizar, sim, mas seria feliz na mesma com o hoje. E por isso mesmo há uma parte de mim que se sente até um pouco irritada quando vejo pessoas mais ou menos com o mesmo nível de vida que eu, a queixarem-se de que está sempre tudo mal, nunca colocando o mínimo de foco no que na vida delas já é uma garantia que muitas pessoas no passado não tiveram e nem mesmo hoje ainda têm. Bem entendo que é do ser humano nunca estar satisfeito. Chegas a um patamar e já estás a pensar no próximo. Isso é normal e necessário para a evolução. Mas é também importante celebrar os patamares aos quais chegamos, às metas que estabelecemos e vamos atingindo, e saber apreciá-los, falando quer a nível individual, quer coletivo (e sobretudo no coletivo, em que muitas benesses que temos são resultado de lutas passadas!).

Concluíndo

Ao refletir sobre a "Land of Plenty" em que vivemos hoje, especialmente em comparação com os tempos medievais, e a forma como isto é descrito no livro, é impossível não sentir um profundo senso de privilégio e gratidão. Ter a consciência da sorte que tenho em poder desfrutar de comodidades e oportunidades que eram inimagináveis para os nossos antepassados. O conforto material, o acesso à saúde, à educação e às tecnologias que facilitam a vida são aspectos que não posso considerar garantidos, embora essa seja a tendência. Só quando abrimos a torneira e não sai água pensamos nisso. E especialmente, quando ligamos os dados móveis e não dá, ou o wifi não funciona, é também todo um outro "problema" totalmente de primeiro mundo :P

Ser grata por tudo o que já tenho e usar isso como trampolim para o que ainda quero alcançar é, portanto, um ato de reconhecimento, de respeito para com a vida e, sobretudo, humildade.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Parentalidade: um empréstimo do corpo e da vida na geração de uma outra vida autónoma




Há umas semanas atrás, tive um sonho que me impactou bastante. Inclusivamente chorei no sonho e acho que na realidade também, pois, embora não tenha despertado totalmente, tenho esta memória tipo "flash back" de saber que estava na cama, e saber que estava a dormir, mas sentir-me extremamente triste e estar a soluçar.

O sonho era muito simples - ou melhor, a parte que me lembro. De repente, a Lia já tinha uns 15 anos. E eu chorava porque tinham passado 9 anos em que não a tinha visto, e a última memória que tinha dela, era com a idade que tem agora 4 anos. 

E inclusivamente, esta imagem muito vívida da cara dela aos 4 anos, que era especificamente a imagem da cara dela nessa mesma noite em que nos estávamos a despedir para ir dormir, e aproveitei um tempinho (raro) em que ela estava quieta e eu estava só a olhar para ela.

E, nesse sonho, lembro-me de chegar a ela com 15 anos e perguntar estas exatas palavras "onde está a carinha laroca dos 4 anos?"

E chorei, chorei, chorei. Senti-me mesmo triste porque tinha "missed out on something". Nessa manhã, ao acordá-la senti-me diferente porque ainda estava impactada com o sonho. Não a conseguia largar, nem queria ir a lado nenhum, só queria ficar ali deitada com ela.

Claro que depois analisei este sonho. Tentei lembrar-me de mais detalhes ou até buscar um significado.

O que me leva a escrever isto é o querer partilhar uma reflexão que tenho várias vezes: ela não é minha. Sei que por uma questão de conveniência linguística, dizemos "minha filha", mas ela não é minha. Ela é do mundo. E eu sou apenas um veículo para a expressão dela própria no mundo.

E cada vez mais tenho esta visão da parentalidade: nós apenas emprestamos os nossos corpos (e em particular para as mães, que emprestam o seu corpo para a geração e alimentação nos primeiros anos dos bebés) e (grande) parte das nossas vidas para colocarmos estas outras vidas, autónomas, no mundo. Eu não tinha esta noção antes de ser mãe, mas acho que qualquer pessoa deveria refletir nisto antes de tomar essa decisão.

Penso que parte deste sonho tenha sido uma manifestação de um medo profundo que tenho, e ao mesmo tempo uma tristeza pela certeza de que isto vai acontecer: um dia, ela irá "embora". Um dia, ela vai querer ir embora; vai querer ter distância de mim e isso é normal, também o senti. Um dia, não terei mais de emprestar tanto da minha vida e dar tanto de mim na criação dela. E se todos os dias vivo este paradoxo - sinto-me cansada quando ela está acordada porque requer imensa atenção e disciplina e etc., e depois morro de saudades quando ela está a dormir - sei que tudo isto é passageiro. E o passageiro aqui ainda são uns anos valentes, mas lá no fundo sei que é passageiro. E que, gradualmente, cada vez menos ela precisará de mim. E ainda bem!

A parentalidade é todo um tema para mim, fonte de amor e desamor, tanto enquanto filha como enquanto mãe. E esta noção certa de que ela não é minha, mas do mundo, me faz querer dar-lhe gradualmente mais autonomia, para que ela um dia se queira livrar de mim e se livre de mim, sem cair na tentação de entrar em dinâmicas de cobranças desnecessárias, irreais, e de todo não legítimas. 

Quando me perguntam o que mudou na minha vida desde que fui mãe, as respostas podem ser várias, mas a primeira que me vem à mente é, invariavelmente, esta: mudei também enquanto filha. Com a minha mãe, percebi que tinha de enfrentar todo o ressentimento que sentia e a culpa de me ter permitido finalmente não manter uma relação com ela, por necessidade de auto-preservação (afastamento/corte esse que queria há muitos e muitos anos mas que nunca tinha tido coragem para dar esse passo). Com o meu pai, apesar de manter o maior respeito e gratidão da vida por ele, desvaneceu-se uma culpa que sentia de não estar sempre a ligar para ele, ou estar sempre a intrometer-me na vida dele, ou estar sempre a querer salvá-lo (sim, porque eu tinha esta coisa de querer salvá-lo por sentir que as partes más da vida dele eram culpa minha). E sobretudo neste último caso, percebi que não tinha mais de carregar esse peso da culpa e da cobrança, precisamente porque no papel de mãe, entendo com a maior clareza que isso nunca é exigível da minha filha, que nunca será legítimo eu fazê-lo, e o quão importante é ter esta noção clara de que sim, estou aqui para ela, quero ser tudo para ela, "empresto" de bom grado e com o maior amor grande parte da minha vida para que ela um dia ganhe asas e nunca sinta qualquer tipo de peso ou responsabilidade perante mim, porque ela apenas será responsável por ela própria, nunca por mim. Eu serei sempre responsável por mim, não pelos meus pais (e o tempo que demorei a entender isso!), e por isso também insisto em manter uma parte de mim que está acima de qualquer outro papel social ou familiar, incluindo o de ser mãe, porque sei que tenho de me bastar a mim mesma, sem esperar que, lá porque tive filhos, eles têm de cuidar de mim futuramente. E criar essa expectativa (e.g. "quando for velhinha, os meus filhos têm de cuidar de mim") é algo que nos magoa tanto a nós quanto coloca um peso neles.

Acho mesmo importante refletir sobre este tema, esta distinção entre o ter filhos e eles serem nossos ou do mundo. Claramente não são nossos. Claramente são do mundo, ou deles próprios. Claramente, colocar-lhes a responsabilidade de terem de X ou Y "só porque são pais", "só porque são filhos", não se encaixa com a minha visão de mundo, nem enquanto filha, nem enquanto mãe. 

O meu objetivo último enquanto mãe é dar-lhe asas para voar e para regressar sempre que queira. Claro que há um laço afetivo que, pelo menos pela minha parte, será inquebrável para sempre. Ela será sempre a pessoa mais importante para mim. Mas esse laço afetivo não tem, nem deve, traduzir-se em exigências que lhe roubem a essência dela própria em prol de qualquer obrigação moral por mim fantasiada.

Sobre as dinâmicas entre pais e filhos, deixo aqui um trecho do livro "Ordens do Amor", de Bert Hellinger, que me tocou profundamente:

"Os pais dão e os filhos recebem. Esta é a ordem natural. Quando os filhos querem dar aos pais na mesma medida que receberam, ou quando os pais querem receber dos filhos como se fossem seus filhos, a ordem natural se inverte, e isso traz consequências. (sim, eu vivi isto durante muitos anos, uma força dentro de mim que me queria fazer retribuir tudo o que os meus pais me tinham dado, tentativa sempre frustrada por perceber que nunca iria conseguir, na minha vida toda, fazê-lo).

O dar e o tomar entre pais e filhos segue um princípio diferente do que ocorre entre adultos. Os pais dão aos filhos a vida, e isso é algo tão grande que nunca pode ser retribuído. Os filhos, por sua vez, tomam dos pais e reconhecem a grandeza desse dom, o que lhes permite crescer e se desenvolver. Quando os filhos tentam retribuir aos pais, eles tomam para si um fardo que não lhes pertence. Em vez disso, eles devem passar adiante o que receberam, ou seja, dar aos seus próprios filhos, se tiverem, ou contribuir para a vida de outras formas. (sim, eu vivi durante imenso tempo com este fardo e sinto que finalmente me libertei disso, e isto nada tem a ver com o amor que sinto por eles, e sim aqui incluo os dois, porque sinto amor pelos dois, embora tenha de ter cortado relações com um deles).

Essa ordem no dar e tomar se manifesta em muitas áreas da vida familiar e é essencial para o equilíbrio e a harmonia dentro da família. Quando os filhos aceitam o que receberam dos pais com gratidão e usam isso para avançar em suas vidas, eles honram os pais e respeitam a ordem natural. Quando os pais permitem que os filhos sigam em frente e usem seus dons, eles também respeitam essa ordem e promovem o bem-estar de todos."

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Estou de volta: Life Update

 



Depois de largos meses ausentes daqui - acho que até criei uma espécie de ranço pela escrita, coisa que sempre me apaixonou e me pôs em contacto comigo mesma, inclusivé pela escrita física mesmo, em que muitas vezes tenho de me obrigar a fazê-lo (se bem que ultimamente decidi não me obrigar a fazer nada, nem isso :P ), estou de volta.

Life Update


Apaguei QUASE TODOS os posts deste blog, num dia em que senti que isso se podia virar contra mim (ou que eu me podia virar contra mim própria, de certa forma). Não vou entrar em detalhes, mas tudo o que aqui escrevi e escrevo vem de lugares internos muito íntimos meus, muito mesmo, e é a maior exposição e vulnerabilidade que tinha e tenho "out there". Um acontecimento da minha vida (que foi o culminar de muitos outros antes, em que tive, para me proteger, de cortar relações com um membro familiar próximo) engatilhou um lugar em mim que me diz: não estás segura se fores autêntica e te expuseres. Então, e para prevenir que algo se virasse contra mim, decidi suspender tudo. Mas guardei.

Agora, que já voltei ao meu estado mais estável, centrado e seguro, estava um dia a conduzir e veio esta voz: "volta a publicar tudo". E assim o fiz. 118 páginas de word. Perdi a maioria das imagens, formatações, datas (simplesmente coloquei tudo com a mesma data, whatever), comentários, visualizações e tags. Mas como este blog - embora tenha, claro, o objetivo que alguém o leia, pois caso contrário escreveria apenas para mim mesma - não tem o objetivo de ser muito visto ou ter muitos comentários ou ser esteticamente bonito, vale sim, mais, pelo conteúdo que aqui vou transbordando - decidi deixar ficar assim mesmo.

Enfim, depois desta fase conturbada, decidi voltar, sem, uma vez mais, me obrigar a qualquer tipo de "inspiração" ou "regularidade". I'm done with self-imposing, honestly.

Não me alongando (nem querendo, sinceramente) sobre as circunstâncias que me levaram a agir de modo impulsivo e ter retirado tudo o que aqui tinha - mas repetindo que veio de um lugar interno que eu tinha (e ainda tenho) de que ser vulnerável, honesta, transparente com o que sou, faço e acredito, é PERIGOSO, posso felizmente dizer que as circunstâncias que engatilharam esta situação se encontram sanadas. Como cresci com este padrão de que ser eu própria e expor-me tinha um preço emocional alto e não me conseguia defender disso, foi algo que tive de aprender com a vida adulta e sinto que estou a caminhar nessa direção. Amén!

2024 está a ser um ano de processar tudo o que se passou em 2023. Foi muita coisa. Foi muito intenso. Foram muitas mudanças. O que se viu no externo foi só uma fração do que se passou a nível interno. 2024 tem sido também ele cheio de experiências intensas, que me ajudam a integrar todo o "turmoil". Sim, porque eu sei que por fora pareço uma pessoa "with her shit together". Mas não sou e não tenho, mesmo. Por outro lado, o "getting shit together" é parte do que me motiva. Se me imaginar num dia em que tenho "all life put together and figured out", sinceramente, não acho piada nenhuma.

Mas sinto que 2024 está a ser, também, um período de preparar o terreno e deixá-lo fértil para plantar novas sementes. Sinto que no último ano e meio foi dedicado a "podar as plantas", cortar as ervas daninhas e limar algumas arestas para prosseguir com a realização de alguns objetivos de vida. 

Depois de um ano e meio (aliás, mais até) de trabalho interno, sinto que cheguei a um plateau em que preciso desintensificar um pouco disso. Há coisas e formas de pensar que já me auto-enjoam, sinceramente. E de cada vez que tenho aquele ciclo de pensamentos de "ah! observei este padrão em mim? de onde vem? isto é um problema? isto prejudica-me? como posso resolver?" já me corto logo ali. É uma auto-observação exagerada e todos os extremos são maus. Porque sim, se ter esta capacidade de auto-reflexão é boa e me ajuda a ultrapassar-me a mim própria, por outro lado, sinto que estagnei bastante nisso e de repente comecei a entrar num loop onde tudo era um problema, eu era um problema a ser resolvido e sinceramente: ESTOU EXAUSTA DISSO. Apesar disso continuo a sentir este "pull" irresistível, que acho que desde sempre senti, de descobrir mais sobre a natureza da realidade e do porquê de cá estar a viver esta vida (desde muito cedo me lembro de ter estas interrogações). De expandir a minha consciência, de estar em contacto com o meu lado woo-hoo, espiritual e intuitivo e essa coisa toda. De ler Jung sobre o inconsciente, Freud sobre os sonhos (e ficar um pouco na cama, de olhos fechados, depois do despertador tocar, a explorar as imagens e/ou temas que me apareceram nos sonhos dessa noite), Sri Ramana sobre quem somos na realidade (pura consciência), Bert Hellinger sobre as Constelações Familiares, ao Allan Watts, enfim, de tudo um pouco. Adoro visitar, através de leituras e podcasts, todo o tipo de escolas de pensamento, desde a ciência mais científica que mede tudo ao nanómetro, até ao espiritual mais etéreo. Gosto, ainda mais, de refletir e fazer ligações entre linhas de pensamento completamente opostas. Gosto, cada vez mais, de ler coisas que vão completamente fora ou contra tudo aquilo que eu já tinha explorado. Quase que gosto de ficar indignada com certas coisas que leio e de não concordar com elas. Sinto que isso me faz ultrapassar a minha própria rigidez mental. O simples fazer esforço para aceitar que há formas diferentes de ver o mundo, mesmo que discorde completamente delas, é um bom exercicio que impede que o nosso cérebro definhe.

E o que gosto nisso é simplesmente do saber pelo saber, sem ter aquela sede toda que antes tinha de, de algum modo, aplicar o conhecimento. Rapidamente percebi que isso era impossível. Estava muito presa e ficava muito ansiosa com aquela coisa de "não vale de nada ler se não aplicares". Acho que o que me deixava cansada era eu tentar aplicar tudo o que aprendia. Era overwhelming!!! Agora, já não penso assim. Agora, sim, leio só por ler, gosto de saber das coisas só por saber, e gosto ainda mais de tudo aquilo que ainda não sei. Os 99% que ainda não sei, perante o 1% que sei, é o que me fascina. it's a way of life.

Ainda este ano experimentei mais alguns tipos de psicoterapias não convencionais, a maioria por curiosidade, e agora sinto-me meio cansada disto. Estou a sentir necessidade de dar passos em frente e não ficar estagnada nesta coisa de entender a mente, o espírito, a consciência e descobrir tudo o que está no inconsciente, ou lá como lhe queiram chamar.

Esta motivação levou-me a definir ações menos etéreas e mais concretas dos passos a tomar a seguir. E, portanto, está a ser um ano de passar para o next level. Novos projetos, novos sonhos, novos objetivos. Muito action-oriented.

No geral, tenho este ótimo feeling de contentamento com a minha vida agora. Sinto que resolvi tantos assuntos pendentes, que "podei tantas árvores", sinto-me tão mais centrada e regulada na maior parte do tempo do que, acho, alguma vez antes. A vida corre-me bem a todos os niveís: familiar, maternidade, trabalho (adoro o meu trabalho e adoro as minhas rotinas!), saúde (aqui ainda algumas coisas a melhorar, mas destaco o facto de ter encontrado rotinas de exercício físico que se encaixam com os meus gostos, necessidades físicas e agenda), amizades, vida social, e por último mas de todo não menos importante, tempo para mim, tempo para estar sozinha, comigo mesma e apreciar cada momento desses. Não alteraria nada de drástico neste momento. É muito bom ter este sentimento interno de contentamento! Todos os dias encontro pequenos glimmers de prazer que me fazem adorar cada vez mais o simples estar viva; o simples acordar com energia todas as manhãs, aquele primeiro gole de café, o ir acordar a Lia com imensos mimos e abraços e músicas e cantar, o conduzir com música em altos berros e ter este sentimento de que a vida não passa de um enorme jogo que adoro jogar, o sol na cara logo pela manhã, as rotinas do dia a dia, enfim, tudo! Apreciar cada momento apenas pelo que ele é, incluíndo os maus!

Estou numa fase em que simplesmente me sinto mesmo bem comigo mesma a todos os níveis e não mudaria grande coisa agora. Sinto-me pronta para "atacar" aqueles objetivos que tinha definido para o início de 2023 e ainda que com mais de um ano de atraso, sinto que precisava primeiro passar por alguns processos para agora SER a pessoa que está pronta para retomar tudo isso. Estou num lugar de aceitação tão yummy e com uma noção profunda e enraízada de que tudo o que escrevo hoje apenas tem validade hoje, pois não somos uma entidade fixa, mas sim um processo. Tudo é um processo.


Long-story short


118 páginas de word depois, voltei ao blog, voltei a pôr tudo o que tinha posto antes, sem medo da vulnerabilidade que está nesse material. Estou mais evoluída, mais arrogante e mais com a mania porque sinto que vi vários tipos de luzes 😂. Estou, também, muito mais consciente dos meus shortcomings e estou bem com eles. Estou bem comigo. Sou um trabalho em progresso e não quero deixar de ser. Sinto-me previlegiada por poder dar-me ao luxo de pensar em questões de auto-realização porque isso significa que as minhas necessidades básicas estão asseguradas. Já estive mais "etérea"  do que estou agora, já desci bastante mais à terra e sinto que estou mais orientada à ação prática e concreta. Decidi fazer uma pausa nos retiros e nas terapias e nas expansões porque estou um pouco exausta disso, mas ainda bem que passei por essas experiências, precisava e fizeram-me melhor que bem. Foram as melhores decisões que tomei por mim mesma. Espero voltar cá com regularidade, mas não me vou forçar a nada.

E é isto, byyyeeee!

domingo, 4 de agosto de 2024

20-01-2024 - O meu Ano Novo. O meu ano de 2024 começou neste dia☆

 

O MEU ANO NOVO COMEÇOU NO DIA 20 DE JANEIRO DE 2024.


Depois da porrada (dura e necessária) que levei em 2023, tinha recebido um convite para fazer uma integração terapêutica este fim-de-semana, dia 20/01/2024, no entanto, ainda tinha uma pedrinha no sapato, uma pendência, uma coisa que estava completamente fora das minhas mãos - e por isso estava hesitante em aceitar o convite, sentia necessidade de fechar aquele tema de vez.

Manifestação?!

No entanto, eu já tinha decidido internamente: eu já SOU a pessoa que já não tem este problema. Houve um momento específico em que eu tomei esta decisão energética de já não ser a pessoa que tinha aquele problema, no dia 23 de dezembro; mas a verdade é que ainda havia a possibilidade do problema voltar para me assombrar, e eu nada podia fazer quanto a isso. A única coisa que podia fazer -e que fiz - era entregar, confiar, e ir. O problema voltou efetivamente, na segunda semana de janeiro, e mais uma vez eu pensei para comigo mesma: ok, vou enviar o que me estão a pedir e novamente confiar, não pressionar, simplesmente não fazer nada e continuar a ser a pessoa que já não tem este problema, que já não tem este bloqueio. Estava completamente fora das minhas mãos, o que iria acontecer, mas estava nas minhas mãos, a decisão de como me sentir sobre isso e de como agir (ou não agir mais, neste caso, não forçando nada) e fiz o que estava alinhado comigo: SER a pessoa que já não tinha aquele bloqueio.

No dia 19/01/2024 recebo um email que confirma a conclusão deste processo. Pela primeira vez na minha vida, eu acreditei que tinha manifestado algo. Eu já me tinha considerado SER a pessoa que não tinha esse problema e naquele momento eu recebi uma mensagem clara, muito clara, de que as coisas se tinham alinhado, porque eu me tinha alinhado, porque eu tinha tomado uma decisão energética. Inclusivamente, ao receber o e-mail, fiquei contente, mas não mais aliviada do que já me sentia antes. E aí percebi, que o facto de eu ter assumido aquela decisão energética me fazia também, para alem de ser, SENTIR-ME a pessoa que já não tinha aquele problema. Então, emocionalmente, eu já estava lá.

Eu sempre fui muito desconfiada de coisas mais "extremas" como "manifestação", "alinhamento dos astros ou do universo", mas eu SENTI, eu senti, que alguma coisa estava ali a atuar. E eu sou zero de religiosa ou de acreditar em qualquer tipo de deus como uma entidade externa e castradora, mas de facto, já tinha por diversas alturas da minha vida, sentido que existe algo como que a guiar-meAté cheguei a escrever sobre "a sorte que tenho". Não sei o que é esse algo, mas não sinto que preciso de saber. Existe magia no mistério e no desconhecido.

Durante o resto desse dia, assim como entre os dias 19 e 20 de janeiro, várias coisas aconteceram que me fizeram realmente perceber que havia algo mais, inexplicável para além dos conceitos de sorte ou coincidência.

Intenções

As minhas intenções para o que iria acontecer no dia 20 de janeiro passavam por:

- fazer um closure emocional e energético de todos os processos difíceis pelos quais passei em 2023 (o material tinha ficado feito, e a derradeira conclusão do plano físico chegou no dia imediatamente antes)

- sedimentar o meu caminho de evolução pessoal, mais particularmente trabalhar nos meus padrões de auto-dúvida, se possível eliminá-los, naquela de aprender a confiar mais em mim, sem duvidar de mim;

- perceber de forma mais profunda, expandida e "líquida" (aceder a um estado de liquidez) o porquê de eu ter aquele padrão de procurar problemas, aprofundar e entender essa minha necessidade, e se possível, eliminá-la. De um modo geral, identificar e trazer à luz algumas crenças negativas com o intuito de as eliminar. (hoje rio-me sobre isto, e mais à frente explico porquê).

No dia 20/01/2024, alinhei nesta sessão terapêutica de closure, com duas pessoas de grande confiança. Era eu sentada num cadeirão durante horas, a absorver um sol incrível, em que às tantas eu tornei-me nesse sol - eu e o sol éramos um só; era eu a dançar e a sentir como sou a super-heroína da minha vida. Era eu a sentir um empoderamento pessoal, uma autoridade pessoal, como raras vezes senti. Era eu a falar e a falar e a falar, a ouvir a ouvir a ouvir, e a abraçar, abraçar, abraçar, a enviar amor para todo o mundo, a falar comigo própria, a criticar-me pelo meu overthinking, pela minha mente que nunca se cala, para logo de seguida entender que isso só é "mau" porque eu acredito que é "mau". Foram horas de uma familiar e blissful liquidez. Foi como desordenar todo o puzzle que constitui a minha "identidade" para poder reorganizar as peças. Ou como moldar plasticina.

Era eu, por fim, numa melancolia, numa tristeza, a sentir todas as camadas das quais fiquei despida por umas horas, a voltarem, e era eu a acolher essa tristeza, e a perceber que aquele tom de tristeza tocava na felicidade, como duas faces de uma mesma moeda, e que a melancolia deve ser, também ela, sentida, acolhida, pois também ela é tão enriquededora. Uma melancolia que senti como tão quentinha, tão deliciosa, também ela tão acolhedora, também ela a dizer-me algo como "não faz mal nenhum sentires-te triste. Sente-te triste, apenas. Não me dês um nome ou uma interpretação".

Sabedoria Corporal - The Body Kind of Knowledge

Quando eu digo sentir, digo que há algumas experiências que eu já tive e que quero continuar a ter, em que há uma camada enorme de sabedoria que é corporal, que ultrapassa os limites do racional, do cognitivo, do verbal. É como se eu soubesse, já, com o corpo, sem ter sequer de recorrer a palavras para justificar seja o que for. É completamente intransponível em palavras. É como se eu sempre soubesse; essa sabedoria sempre esteve lá, mas é sempre tão difícil de aceder por todas as camadas de medos, preconceitos, pensamentos, "personalidade", identificações, egos, que levamos em cima no nosso dia a dia.

Exoterismo & o Mistério do Desconhecido

Mais à frente, senti algo dentro de mim a dizer "faz a soma dos números do dia de hoje". A soma dava 11. 11 é meu número de vida. Tinha-me dito também uma amiga que neste dia, iniciaria um novo trânsito astrológico que só acontece a cada 250 anos (e, claro, logo as minhas vozes internas e críticas a achar que era tudo treta, mas outra parte de mim a dar por si curiosa e fascinada com estes factos).

Eu era bastante preconceituosa com tudo o que era exoterismo. Se, por um lado, me fascinava, porque existe algo em mim que tem muita curiosidade pelo desconhecido ou inexplicável pela ciência, o que predominava em mim ainda era a parte que dizia "please, none of that is real". Whoo-oo! Universo, astrologia, numerelogia, intuição, mensagens do universo. Eu adoro ciência, adoro explicações racionais e lógicas, adoro entender, perceber, compreender, ler e digerir informação de uma forma científica que me faça sentido e que alimente o meu racional. Eu era bastante descrente em tudo isto mas neste dia, uma chave rodou dentro de mim. Eu percebi, de uma forma corporal, que a magia e o mistério que existem no desconhecido, naquilo que eu NÃO SEI, é uma das coisas que mais me faz sentir significado e sentido na vida.  E também que, neste campo, não tem de ser tudo ou nada. Continuo a gostar do racional, continua a alimentar-me imenso o saber a explicação científica de algo, mas também me dá gozo o simplesmente estar na fronteira do desconhecido.

Como as minhas intenções me levaram para o lado oposto do que eu pretendia - e como era isso que eu precisava

O maior breakthrough que tive, foi a questão da auto-dúvida. Eu entendi que até então estava a colocar um esforço desmedido para me LIVRAR dela. Tinha inclusivamente posto isso como intenção, "eu sem auto-dúvida", não me apercebendo da guerra que estava a travar. E entendi que o meu caminho não é livrar-me dela, mas sim integrá-laO padrão da dúvida faz parte de mim, provavelmente irá sempre acompanhar-me, mas o deixá-la assombrar-me é uma escolha minha, do meu ser superior, da tal sabedoria interna que está sempre lá atrás das camadas todas. 

A dúvida é para integrar, não para exterminar, evitar, fugir dela ou colocá-la debaixo de um tapete constantemente, fingir que ela não está lá. Ela está cá. Ela está cá CONSTANTEMENTE. O meu caminho e o meu processo passam muito por aprender a viver com ela. Não a ver como uma doença a ser curada a todo o custo. Não estar sempre nesta guerra interna de ter um "objetivo final" como se se tratasse de uma maratona em que haveria de acordar um dia e dizer "não me sobra uma réstia de dúvida". Deixa-a lá estar. E uma vez que a deixo estar, que a deixo existir, que a integro, como apenas mais uma parte de entre todas as que me constituem, então eu vejo, como tudo flui de forma perfeita, de forma quase divina, da forma como tem de fluir. 

A minha intenção inicial era livrar-me da auto-dúvida, este grande tema na minha vida, porque ela se enraízou em mim de forma celular devido à minha infância, mas negá-la, seria negar todo o passado que me trouxe ao dia de hoje. Então, eu não vou negá-la mais. Vou acolhê-la. E só por entender isto, a minha sensação de atrito interno reduziu substancialmente. Um alívio!

Um outro grande breakthrough que tive foi o finalmente trazer do inconsciente ao consciente, o quanto eu acreditava verdadeiramente que sou "defeituosa de origem". A frase que me vinha constantemente era "I believe I am fundamentally faulted". E como essa crença acabava por me guiar e me dar sempre uma inquietação de nunca poder estar sossegada sem ter nada para resolver. Não me permitia estar em paz, por não merecer essa paz, por ser tão defeituosa. Não merecia paz nem amor incondicional, porque sempre tive de provar, a quem me deveria amar incondicionalmente, de que tinha de o merecer, tinha de provar e de fazer sempre mais e mais, e ser sempre mais e melhor, para receber esse amor. Mas isso já não é verdade hoje. Isso foi, infelizmente, verdade durante muito tempo, mas já não é. E eu precisava fazer essa distinção.

O tal "arranjar sarna para me coçar" que escrevi na última vez. Era isso que motivava. Nunca ia acabar. Era inglório e injusto para comigo mesma. E o facto de trazer essa crença à luz permite-me agora trabalhar nela - lá está, não enterrá-la, não fugir dela, não querer exterminá-la, mas sim integrá-la, aceitá-la como parte do meu ser, trabalhar com ela, ao lado dela, não contra ela. Então, se não preciso de estar sempre inquieta a achar que toda eu sou um trauma e um problema para resolver, posso finalmente descansar na minha simples existência presente.

I AM FUNDAMENTALLY OK.

Esta ideia de que eu não sou má, afinal, eu não sou um problema. O meu íntimo mais íntimo é mesmo, na realidade, Amor.

O que aconteceu no dia 20/01/2024 não foi apenas mais uma expansão do meu ser, da minha consciência, da minha existência. Foi, verdadeiramente, o início de uma nova ERA na minha vida.

Foi integração, foi acolhimento, foi amor, foi superar-me um bocadinho mais, foi amor, tanto amor, tanto amor próprio, tanto amor até por quem me deu tudo menos amor. E, de repente, leio o meu último post e penso: aquilo não sou eu, aquilo são as minhas ilusões e as minhas auto-críticas. Aquilo é a minha crença, bem profunda, de que eu sou defeituosa, de que eu sou má por defeito, de que eu sou um problema, a manifestar-se, a operacionalizar-se no mundo 3D. 

 

MANDA AMOR. MANDA AMOR. MANDA AMOR.

 

Será o objetivo livrar-me disto? Não. Deixa-as estar lá. Manda amor para elas. Manda amor à dúvida. Manda amor à crítica, à culpa, à vergonha, à crença de que sou defeituosa, não merecedora, bla bla bla. Manda amor. Manda amor. Manda amor. A minha intenção era tornar-me mais perfeita (era isso que estava subjacente, agora que leio), e no fim fiquei a perceber (corporalmente) que posso ser melhor para mim mesma se não me forçar a ser melhor e mais perfeita.

 

 


E isto, sim, é saúde mental.
No dia 20/01/2024 tive o equivalente a 5 anos de psicoterapia e queria que isto ficasse registado para a posterioridade!

2023 - O Ano em que eu abdiquei de meio milhão de património imóvel em troca da minha Paz

 

Ainda me lembro de me sentar e pensar quais seriam as minhas intenções (tenho vindo a substituir “resoluções” por “intenções”) para 2023. Lembro-me de dizer que queria e achava que ia ter um “ano calminho” e tinha apenas dois grandes objetivos para cumprir.

Nenhum dos dois objetivos se cumpriu porque havia (muito) trabalho a ser feito antes. HOJE vejo isso, de forma clara, e ainda bem que não consegui cumprir esses objetivos. Fazia-me falta, ainda, trabalho interior, que acabou por se revelar mais duro e intenso do que alguma vez imaginei. Eu não era, ainda, a pessoa para ver aqueles dois objetivos cumpridos. E nunca nos esqueçamos: antes ser, antes sentir, depois o fazer e o ter. Esta É a ordem correta. 

SER-SENTIR-FAZER-TER.





2023 foi tudo menos “calminho” como se fazia prever. E dizer apenas que foi um ano de muito crescimento seria dizer pouco. Foi um ano de, literalmente, "rodar a chave".  Tirou-me o tapete debaixo dos pés! Houve uma morte e renascimento em mim, foi uma mudança a nível celular. Quase não me reconheço a mim própria há um ano atrás... 

Não sei precisar quando me deu o click de pensar, espera aí, tenho coisas para limpar, reorganizar, desconstruir e voltar a construir, interiormente, mentalmente, emocionalmente, energeticamente. Há algo aqui que não bate certo. Deixa-me lá ver o que é. Mal adivinhava eu o que estava por detrás do "véu". Eu não sabia o que era estar atenta ou ouvir a minha "intuição", aliás, achava isso meio treta. Hoje, não podia discordar mais. O que eu senti foi uma intuição forte, e ainda bem que tive o bom senso (um bocado aleatório) de o seguir.

Isto pode parecer tudo “woo-woo” e “new agey”, mas a verdade é que aquele ano em que eu não antevia que nada de extraordinário acontecesse, começou comigo em Março de 2023 a registar no meu "diário" (não gosto muito de lhe chamar assim, mas pronto), alguns objetivos que tinha a longo prazo, e o que me impedia de os realizar. Havia alguma coisa que me estava a incomodar e eu não sabia o quê, porque tudo na minha vida estava aparentemente bem e estável (trabalho, família, amizades, finanças, dia-a-dia...). 

Inicialmente, o que escrevi era apenas uma lista de crenças negativas que eu tinha, e agora que as leio, penso: quão superficiais me parecem. Porque era mesmo aí que eu estava em março de 2023: na superfície, sem saber que o estava. Estava nos sintomas, e não tinha (talvez, nunca, de forma consciente, pelo menos) ido às causas. 

Da superficialidade, até ao momento em que escrevo isto, dos sintomas às causas, sinto que passou uma vida, literalmente. Só sei que senti uma “chamada” e segui-a. Segui-a, ao contrário do que tinha feito até então, que era um profundo auto-negacionismo, em que me negava a mim mesma, porque isso tinha sido a minha realidade até então. 2023 foi o ano em que me validei a mim mesma, às minhas experiências internas, ao meu passado, às minhas memórias ou falta delas. Foi o ano em que comecei a aprender a acreditar em mim. 

Aprofundei mais e mais e mais. Li 35 livros de desenvolvimento pessoal e espiritual (muitos até contraditórios entre si, o que me obrigou a um exercício de reflexão crítica e me levou a concluir ainda mais que não existem verdades absolutas, ou melhor ainda, que só ressoamos com o que nos faz sentido a determinado momento - e é por isso que é possível ter leituras completamente distintas das mesmas coisas, consoante a fase de vida em que estamos), recomecei a fazer psicoterapia depois de muitos anos sem, ouvi centenas de episódios de podcasts (descobri que é a melhor forma de absorver conteúdo enquanto se faz outras coisas)escrevi mais do que nos últimos 10 anos, revelei traumas, lembrei-me nitidamente de coisas que me tinha esquecido como mecanismo de defesa (e ainda tenho uma sensação forte de "esquecimento" que é muito estranho), chorei lutos não feitos, comecei a ir a retiros e levar a sério o estar desligada do mundo externo, revisitei estados expandidos de consciência, revisitei, desta vez de forma consciente, o que é ver a verdadeira natureza da realidade, para além do que vivemos no dia-a-dia, tive encontros bem profundos comigo mesma. 

Destralhei a minha vida no que tocava a padrões que já não me serviam, bagagens emocionais e dos mais variados tipos. A clareza mental que nunca tinha tido até agora, foi incrivelmente mais do que estava à espera, e nada disto se planeia. 

Desintoxiquei a minha vida a 200%, ao quebrar de vez uma relação familiar “próxima” (e depois de várias tentativas e um esforço unilateral, da minha parte, para que algum dia tivesse alguma hipótese de ser no mínimo cordial). Esta foi a principal e mais radical mudança, uma que tantas vezes ainda duvido se fiz o certo, e tento chamar-me à razão: não é questão de ser certo ou errado, era a minha ÚNICA hipótese de ser eu mesma e não refém de alguém. A nova pessoa que me tenho vindo a tornar, já não tolera mais desrespeito, humilhação, cobranças, manipulação de alguém de quem sempre esperei apenas amor e aprovação. 

Aprendi que tenho de ser mãe de mim mesma, enquanto eu própria sou mãe. Definitivamente, a maternidade fez-me ver e experienciar o incondicionalismo que deve estar na base do amor que temos e que somos. Ao tornar-me mãe, iniciou-se aqui um processo - que culminou este ano mas tenho a certeza que irá continuar - de eu me aperceber que aquilo que eu achava ser normal, estava longe, mas muito longe de ser normal. Não só nunca foi normal, como foi inaceitável.

Na sequência desta quebra, necessária, abdiquei de cerca de 500.000€ de valor em património imóvel, que me tinha sido "dado" (um presente envenenado bem embrulhado com um enorme laçarote vermelho!) e que significava constantes cobranças, expectativas que eu fosse alguém que não sou, e a mensagem constante de que eu não valia nada se não fosse por aquilo. Esta mensagem, tão enraízada, tantas vezes tão subtil, de que literalmente eu não era nada senão todos os sacrifícios que tinham feito por mim, todos os bens materiais que me haviam sido oferecidos, e não tinha nada que me queixar porque "sempre tive tudo com enorme sacrifício", fez com que a minha imagem de mim mesma fosse "eu não valho nada", "eu não mereço nada", "eu vou estar sempre atrelada a isto", "eu sou um peso", "eu nunca irei conseguir nada porque tudo o que tenho foi sinónimo de sacrifício para alguém".

Devolvi, com um laçarote amarelo a dizer "nada nem ninguém me pode comprar" - sabendo que esta mensagem, dita de forma clara e várias vezes de várias formas, não chegou à destinarária, mas também realizando, que não tinha de chegar nem é problema meu se nunca chegar.

Observando-me a escrever isto, não deixo de pensar, que supostamente um post a celebrar um ano bem passado e bem vivido, no meu pensamento anterior, diria qualquer coisa como "consegui avançar na minha jornada para a liberdade financeira", "comecei a ganhar mais", ou alguma variação da frase "estou melhor financeiramente".

Mas os meus mapas de pensar e de ser mudaram radicalmente, e por isso, digo: ter-me livrado de tantas posses materiais e dinheiro nunca foi tão libertador. Não foi uma perda, foi um ganho incrível. Estou pior financeiramente, mas muito melhor a nível de saúde mental para me restabelecer, sem fantasmas, sem pesos, sem bens materiais que eram uma nuvem negra constantemente sobre mim. Sem viver constantemente com o medo ou a triste certeza de que alguém me vai cobrar algo - sobretudo a alma e a essência - a qualquer momento. Eu agora vejo que era assim que vivia, de forma latente... sempre em sobressalto à espera do dia em que alguém revelasse o verdadeiro eu, alguém que não valia nada, que nunca iria conseguir nada, e que era uma fraude e que me iria cobrar tudo o que me tinha sido dado. Eu nem sei como consegui viver com isto tanto tempo e não havia nada que fizesse ou que me dissessem, que melhorasse este meu medo da cobrança.

A limpeza tem sido profunda, desde o mais superficial – as tais “crenças limitativas” e “discursos internos destrutivos” que eu não entendia bem por que os tinha – ao mais prático – projetos que tinha iniciado e vi que não era o que queria ou que só os tinha começado pelo padrão de procurar validação e reconhecimento, destralhe material, desapego de alguns hábitos, reavaliação da utilização e presença das redes sociais, etc. – ao mais profundo – fazer o luto (que ainda não acabou) por uma infância infeliz, com padrões comportamentais e ciclos tóxicos que deixei que se arrastassem até à minha vida adulta, sem estar minimamente consciente do quão destrutivo eles eram para mim. Ganhei consciência, de forma dolorosa, e pus um Stop. Era a única opção, era pôr esse stop. Eu já não sou aquela criança, e estar constantemente a revisitá-la estava a destruir-me. Impus limites, limites que tinham sempre fervilhado dentro de mim, mas que nunca tinha imposto por medo! Nunca tinha posto, a sério, limites na minha vida! E quando os impus e reforcei e os vi constantemente a serem violados, então decidi que o limite final seria "na minha vida, não mais".

Conheci e revisitei muitas ferramentas de aprofundamento espiritual (aliás, descobri a importância da espiritualidade na minha vida, eu nunca tinha ligado nada a isso e tornei-me anti-religião na adolescência), e tentei muito que a meditação pegasse comigo e se tornasse numa prática regular, até perceber que o tentar estava a fazer com que tivesse mais resistência – e que lição que foi essa, “quanto mais tentas, maior a resistência”. Não sei porque tenho resistência à meditação, mas sei que encontrei formas alternativas de me ouvir e de confiar mais em mim e de me auto-policiar quando me auto-destruo, auto-saboto ou sou péssima comigo mesma. Aprendi a encontrar o meu centro, o meu silêncio, e a minha curadora interna, que sinto que sempre esteve lá e eu sempre a ignorei vitoriosamente. Continuo a ter péssimos hábitos e padrões, mas agora estou mais consciente deles, do porquê de estarem lá, do que servem, se ainda servem para algo. É uma constante autodescoberta, e todos sabemos hoje em dia, as camadas que tem o nosso subconsciente e a forma como ele comanda a nossa vida sem nos apercebermos. Então, trabalhemos com ele.

Na realidade, ao olhar para os meus próprios padrões tóxicos que herdei, e entender o porquê deles estarem lá, fez com que deixasse de ter a necessidade de os praticar. Um exemplo muito básico disto é que, embora ainda tenha fascínio por coisas novas, por aprender coisas novas, já não tenho aquela necessidade de estar sempre a mudar de trabalho, a começar novos projetos e depois desistir deles. Este padrão sempre esteve muito presente porque eu tinha a necessidade de receber validação e reconhecimento por eles (que nunca recebi, btw, por isso é que estava sempre a saltar para a próxima coisa, sempre em busca desse reconhecimento, daquela pessoa em específico, sempre a mostrar que valia algo para além dos sacrifícios que representava, sempre em vão, claro). A minha necessidade de, literalmente, JUSTIFICAR os sacrifícios que fizeram por mim sem eu pedir, JUSTIFICAR o não ser ingrata, era um trabalho sem fim!

Quando entendi que esse era o principal motivo, de alguma forma deixei de o ter, o motivo e a necessidade. Ao dar-me a mim própria a validação - again, a questão do ser antes do fazer ou ter - de que não preciso fazer nada nem provar nada a ninguém para ter valor, essa necessidade desapareceu. Julgava-me por estar "estagnada", porque tinha enraízada a crença de que tinha de estar sempre a fazer algo. Agora, já não sinto culpa por estar "no mesmo sítio" ou a não começar nada de novo. Não sinto mais que preciso de provar nada a ninguém. Este é apenas um exemplo das muitas mudanças que estou a experienciar.

Ver de forma mais clara as lições que a vida me dá, em cada momento, desde as situações mais quotidianas, aos enormes bloqueios que de repente aparecem. Tem sempre uma lição escondida. O conseguir "ir dentro" e procurar a lição que a vida me está a pedir, foi uma ferramenta que adquiri este ano e que estou a afinar cada vez mais. Para além dos padrões, também consegui ver de forma mais clara as desculpas que inventava para mim mesma, para nada mudar. Para não fazer nada em relação às minhas dores, para estar sempre naquela de "é difícil mudar", "mas as pessoas são mesmo assim, é aceitar", "não ligues", "vai passar". NÃO. Eu tinha de recuperar a autoridade na minha própria vida, caramba. Quem mandava na minha vida não era eu, mas sim os meus medos, os meus ressentimentos, e sobretudo as minhas justificações da treta para não fazer nada para mudar isso e por permitir continuar a ser um fantoche nas mãos de alguém que me deveria amar incondicionalmente, mas cujo amor nunca foi nada senão repleto de condicionalismos. Era DISSO que eu estava refém. E foi DISSO que me libertei.

Para 2024, quero muito continuar esta cura, este crescimento, e todas as palavras “new agey” que no fundo só querem dizer que me estou a tornar numa Adulta e a sair, finalmente, de uma adolescência que se prolongou para além da medida porque me faltava clareza mental e acreditar naquele sentido insistente dentro de mim "algo aqui não está certo". Enchi toda uma vida de distrações que me faziam não ter de olhar para isso com olhos de ver, porque doía, e ainda dói, muito. Isso acabou, porque só quando aceitamos o horror das coisas é que as conseguimos resolver. Quero também fechar de vez os ciclos cujo fim iniciei mais para o final deste ano. Quero limpar o antigo, terminar este ciclo de destralhe e desintoxicação, para dar as boas-vindas ao novo.

Apesar disso tudo, SEI que o que se passou este ano, foi só o início, e adoro essa ideia! FOI UM ANO DO CARAÇAS!!! Foi só o início, porque entendi que o bonito de tudo isto, NÃO É chegar um dia e dizer que somos um ser evoluído; é, sim, o PROCESSO que nos leva por estes meandros, a não-linearidade das coisas, o desconhecido e a incerteza (sendo que estes dois últimos são pontos de dor para mim), e até mesmo o saber da possibilidade de amanhã poder dizer que, afinal, tudo o que disse aqui estava errado. 

É o SER e o PROCESSO, e eu sinto mesmo, que 2023 foi um ano de viragem para mim.