Ainda me lembro de me sentar e pensar
quais seriam as minhas intenções (tenho vindo a substituir “resoluções”
por “intenções”) para 2023. Lembro-me de dizer que queria e achava que ia
ter um “ano calminho” e tinha apenas dois grandes objetivos para cumprir.
Nenhum dos dois objetivos se cumpriu porque havia (muito) trabalho a ser
feito antes. HOJE
vejo isso, de forma clara, e ainda bem que não consegui cumprir esses
objetivos. Fazia-me falta, ainda, trabalho interior, que acabou por se revelar
mais duro e intenso do que alguma vez imaginei. Eu não era, ainda, a
pessoa para ver aqueles dois objetivos cumpridos. E nunca nos
esqueçamos: antes ser, antes sentir, depois o fazer e o ter. Esta É a ordem
correta.
SER-SENTIR-FAZER-TER.
2023 foi tudo menos “calminho” como se fazia prever. E dizer apenas que foi um ano de muito crescimento
seria dizer pouco. Foi um ano de, literalmente, "rodar a
chave". Tirou-me o tapete debaixo dos pés! Houve uma morte e
renascimento em mim, foi uma mudança a nível celular. Quase não me reconheço a
mim própria há um ano atrás...
Não sei precisar quando me deu o click de pensar, espera
aí, tenho coisas para limpar, reorganizar, desconstruir e voltar a construir,
interiormente, mentalmente, emocionalmente, energeticamente. Há algo aqui que
não bate certo. Deixa-me lá ver o que é. Mal adivinhava eu o que estava por
detrás do "véu". Eu não sabia o que era estar atenta ou ouvir a
minha "intuição", aliás, achava isso meio treta. Hoje, não podia
discordar mais. O que eu senti foi uma intuição forte, e ainda bem que tive o
bom senso (um bocado aleatório) de o seguir.
Isto pode parecer tudo “woo-woo” e “new agey”, mas a verdade é que aquele
ano em que eu não antevia que nada de extraordinário acontecesse, começou
comigo em Março de 2023 a registar no meu "diário" (não gosto muito
de lhe chamar assim, mas pronto), alguns objetivos que tinha a longo prazo, e o
que me impedia de os realizar. Havia alguma coisa que me estava a
incomodar e eu não sabia o quê, porque tudo na minha vida estava aparentemente
bem e estável (trabalho, família, amizades, finanças, dia-a-dia...).
Inicialmente, o que escrevi era apenas uma lista de crenças negativas que
eu tinha, e agora que as leio, penso: quão superficiais me
parecem. Porque era mesmo aí que eu estava em março de 2023: na superfície, sem
saber que o estava. Estava nos sintomas, e não tinha (talvez, nunca, de
forma consciente, pelo menos) ido às causas.
Da superficialidade, até ao momento em que escrevo isto, dos sintomas às
causas, sinto que passou uma vida, literalmente. Só sei que
senti uma “chamada” e segui-a. Segui-a, ao contrário do que tinha feito até
então, que era um profundo auto-negacionismo, em que me negava a mim mesma,
porque isso tinha sido a minha realidade até então. 2023 foi o ano em
que me validei a mim mesma, às minhas experiências internas, ao meu passado, às
minhas memórias ou falta delas. Foi o ano em que comecei a aprender a acreditar
em mim.
Aprofundei mais e mais e mais. Li 35 livros de desenvolvimento pessoal e
espiritual (muitos até contraditórios entre si, o que me obrigou a um
exercício de reflexão crítica e me levou a concluir ainda mais que não existem
verdades absolutas, ou melhor ainda, que só ressoamos com o que nos faz sentido
a determinado momento - e é por isso que é possível ter leituras completamente
distintas das mesmas coisas, consoante a fase de vida em que estamos),
recomecei a fazer psicoterapia depois de muitos anos sem, ouvi centenas de
episódios de podcasts (descobri que é a melhor forma de
absorver conteúdo enquanto se faz outras coisas), escrevi mais do
que nos últimos 10 anos, revelei traumas, lembrei-me nitidamente de
coisas que me tinha esquecido como mecanismo de defesa (e ainda tenho
uma sensação forte de "esquecimento" que é muito estranho), chorei
lutos não feitos, comecei a ir a retiros e levar a sério o estar desligada do
mundo externo, revisitei estados expandidos de consciência, revisitei,
desta vez de forma consciente, o que é ver a verdadeira natureza da realidade,
para além do que vivemos no dia-a-dia, tive encontros bem profundos
comigo mesma.
Destralhei a minha vida no que tocava a padrões que já não me serviam,
bagagens emocionais e dos mais variados tipos. A clareza mental que
nunca tinha tido até agora, foi incrivelmente mais do que estava à espera, e
nada disto se planeia.
Desintoxiquei a minha vida a 200%, ao quebrar de vez uma relação familiar
“próxima” (e depois de várias tentativas e um esforço unilateral, da minha
parte, para que algum dia tivesse alguma hipótese de ser no mínimo
cordial). Esta foi a principal e mais radical mudança, uma que
tantas vezes ainda duvido se fiz o certo, e tento chamar-me à razão: não é
questão de ser certo ou errado, era a minha ÚNICA hipótese de ser eu mesma
e não refém de alguém. A nova pessoa que me tenho vindo a tornar, já
não tolera mais desrespeito, humilhação, cobranças, manipulação de alguém de
quem sempre esperei apenas amor e aprovação.
Aprendi que tenho de ser mãe de mim mesma, enquanto eu própria sou
mãe. Definitivamente, a
maternidade fez-me ver e experienciar o incondicionalismo que deve estar na
base do amor que temos e que somos. Ao tornar-me mãe, iniciou-se
aqui um processo - que culminou este ano mas tenho a certeza que irá continuar
- de eu me aperceber que aquilo que eu achava ser normal, estava longe, mas
muito longe de ser normal. Não só nunca foi normal, como foi inaceitável.
Na sequência desta quebra, necessária, abdiquei de cerca de
500.000€ de valor em património imóvel, que me tinha sido "dado" (um
presente envenenado bem embrulhado com um enorme laçarote vermelho!) e
que significava constantes cobranças, expectativas que eu fosse alguém
que não sou, e a mensagem constante de que eu não valia nada se não fosse por
aquilo. Esta mensagem, tão enraízada, tantas vezes tão subtil, de que
literalmente eu não era nada senão todos os sacrifícios que tinham feito por
mim, todos os bens materiais que me haviam sido oferecidos, e não tinha nada
que me queixar porque "sempre tive tudo com enorme sacrifício", fez
com que a minha imagem de mim mesma fosse "eu não valho
nada", "eu não mereço nada", "eu vou estar sempre atrelada
a isto", "eu sou um peso", "eu nunca irei conseguir nada
porque tudo o que tenho foi sinónimo de sacrifício para alguém".
Devolvi, com um laçarote amarelo a dizer "nada nem ninguém me pode
comprar" - sabendo que esta mensagem, dita de forma clara e várias
vezes de várias formas, não chegou à destinarária, mas também realizando, que
não tinha de chegar nem é problema meu se nunca chegar.
Observando-me a escrever isto, não deixo de pensar, que supostamente
um post a celebrar um ano bem passado e bem vivido, no meu
pensamento anterior, diria qualquer coisa como "consegui avançar na minha
jornada para a liberdade financeira", "comecei a ganhar mais",
ou alguma variação da frase "estou melhor financeiramente".
Mas os meus mapas de pensar e de ser mudaram radicalmente, e
por isso, digo: ter-me livrado de tantas posses materiais e dinheiro
nunca foi tão libertador. Não foi uma perda, foi um ganho incrível. Estou
pior financeiramente, mas muito melhor a nível de saúde mental para me
restabelecer, sem fantasmas, sem pesos, sem bens materiais que eram uma nuvem
negra constantemente sobre mim. Sem viver constantemente com o medo ou
a triste certeza de que alguém me vai cobrar algo - sobretudo a alma e a
essência - a qualquer momento. Eu agora vejo que era assim que vivia,
de forma latente... sempre em sobressalto à espera do dia em que alguém
revelasse o verdadeiro eu, alguém que não valia nada, que nunca iria conseguir
nada, e que era uma fraude e que me iria cobrar tudo o que me tinha sido dado.
Eu nem sei como consegui viver com isto tanto tempo e não havia nada que
fizesse ou que me dissessem, que melhorasse este meu medo da cobrança.
A limpeza tem sido profunda, desde o mais superficial – as tais “crenças limitativas” e
“discursos internos destrutivos” que eu não entendia bem por que os tinha
– ao mais prático – projetos que tinha iniciado e vi que não era o
que queria ou que só os tinha começado pelo padrão de procurar validação e
reconhecimento, destralhe material, desapego de alguns hábitos, reavaliação da
utilização e presença das redes sociais, etc. – ao mais profundo – fazer
o luto (que ainda não acabou) por uma infância infeliz,
com padrões comportamentais e ciclos tóxicos que deixei que se arrastassem até
à minha vida adulta, sem estar minimamente consciente do quão destrutivo eles
eram para mim. Ganhei consciência, de forma dolorosa, e pus um Stop. Era
a única opção, era pôr esse stop. Eu já não sou aquela criança, e estar
constantemente a revisitá-la estava a destruir-me. Impus limites, limites que
tinham sempre fervilhado dentro de mim, mas que nunca tinha imposto por medo!
Nunca tinha posto, a sério, limites na minha vida! E quando os
impus e reforcei e os vi constantemente a serem violados, então decidi que o
limite final seria "na minha vida, não mais".
Conheci e revisitei muitas ferramentas de aprofundamento espiritual (aliás, descobri a importância da
espiritualidade na minha vida, eu nunca tinha ligado nada a isso e tornei-me
anti-religião na adolescência), e tentei muito que a meditação
pegasse comigo e se tornasse numa prática regular, até perceber que o tentar
estava a fazer com que tivesse mais resistência – e que lição que foi essa,
“quanto mais tentas, maior a resistência”. Não sei porque tenho resistência à
meditação, mas sei que encontrei formas alternativas de me ouvir e de
confiar mais em mim e de me auto-policiar quando me auto-destruo, auto-saboto
ou sou péssima comigo mesma. Aprendi a encontrar o meu centro, o meu
silêncio, e a minha curadora interna, que sinto que sempre esteve lá e eu
sempre a ignorei vitoriosamente. Continuo a ter péssimos hábitos e
padrões, mas agora estou mais consciente deles, do porquê de estarem lá, do que
servem, se ainda servem para algo. É uma constante autodescoberta,
e todos sabemos hoje em dia, as camadas que tem o nosso subconsciente e a forma
como ele comanda a nossa vida sem nos apercebermos. Então, trabalhemos com ele.
Na realidade, ao olhar para os meus próprios padrões tóxicos que herdei, e
entender o porquê deles estarem lá, fez com que deixasse de ter a necessidade
de os praticar. Um exemplo muito básico disto é que, embora ainda tenha
fascínio por coisas novas, por aprender coisas novas, já não tenho aquela
necessidade de estar sempre a mudar de trabalho, a começar novos projetos e
depois desistir deles. Este padrão sempre esteve muito presente porque
eu tinha a necessidade de receber validação e reconhecimento por eles (que
nunca recebi, btw, por isso é que estava sempre a saltar para a próxima coisa,
sempre em busca desse reconhecimento, daquela pessoa em específico, sempre a
mostrar que valia algo para além dos sacrifícios que representava, sempre em
vão, claro). A minha necessidade de, literalmente, JUSTIFICAR os sacrifícios
que fizeram por mim sem eu pedir, JUSTIFICAR o não ser ingrata, era um trabalho
sem fim!
Quando entendi que esse era o principal motivo, de alguma forma deixei de o
ter, o motivo e a necessidade. Ao dar-me a mim própria a validação - again,
a questão do ser antes do fazer ou ter - de que não preciso fazer nada
nem provar nada a ninguém para ter valor, essa necessidade desapareceu. Julgava-me
por estar "estagnada", porque tinha enraízada a crença de que tinha
de estar sempre a fazer algo. Agora, já não sinto culpa por estar "no
mesmo sítio" ou a não começar nada de novo. Não sinto mais que
preciso de provar nada a ninguém. Este é apenas um exemplo das muitas
mudanças que estou a experienciar.
Ver de forma mais clara as lições que a vida me dá, em cada momento, desde
as situações mais quotidianas, aos enormes bloqueios que de repente aparecem.
Tem sempre uma lição escondida. O conseguir "ir dentro" e
procurar a lição que a vida me está a pedir, foi uma ferramenta que adquiri
este ano e que estou a afinar cada vez mais. Para além dos padrões,
também consegui ver de forma mais clara as desculpas que inventava para
mim mesma, para nada mudar. Para não fazer nada em relação às minhas
dores, para estar sempre naquela de "é difícil mudar", "mas as
pessoas são mesmo assim, é aceitar", "não ligues", "vai
passar". NÃO. Eu tinha de recuperar a autoridade na minha
própria vida, caramba. Quem mandava na minha vida não era eu, mas
sim os meus medos, os meus ressentimentos, e sobretudo as minhas justificações
da treta para não fazer nada para mudar isso e por permitir continuar a ser um
fantoche nas mãos de alguém que me deveria amar incondicionalmente, mas cujo
amor nunca foi nada senão repleto de condicionalismos. Era DISSO que eu estava
refém. E foi DISSO que me libertei.
Para 2024, quero muito continuar esta cura, este crescimento, e todas as
palavras “new agey” que no fundo só querem dizer que me estou a tornar numa
Adulta e a sair, finalmente, de uma adolescência que se prolongou para além da
medida porque me faltava clareza mental e acreditar naquele sentido insistente
dentro de mim "algo aqui não está certo". Enchi toda uma vida de
distrações que me faziam não ter de olhar para isso com olhos de ver, porque
doía, e ainda dói, muito. Isso acabou, porque só quando aceitamos o horror das
coisas é que as conseguimos resolver. Quero também fechar de vez os ciclos cujo
fim iniciei mais para o final deste ano. Quero limpar o antigo,
terminar este ciclo de destralhe e desintoxicação, para dar as boas-vindas ao
novo.
Apesar disso tudo, SEI que o que se passou este ano, foi só o início, e
adoro essa ideia! FOI UM ANO DO CARAÇAS!!! Foi só o início, porque entendi que
o bonito de tudo isto, NÃO É chegar um dia e dizer que somos um ser evoluído;
é, sim, o PROCESSO que nos leva por estes meandros, a não-linearidade das
coisas, o desconhecido e a incerteza (sendo que estes dois últimos são pontos
de dor para mim), e até mesmo o saber da possibilidade de amanhã poder dizer
que, afinal, tudo o que disse aqui estava errado.
É o SER e o PROCESSO, e eu sinto mesmo, que 2023 foi um ano de viragem para
mim.